“Nem todo mundo pode escolher o lugar no qual pretende viver, porque não tem recursos para isso, ou mesmo qualificação para arrumar um trabalho no estrangeiro”
Entre 800 e 200 a.C., surgiram os fundamentos espirituais que ainda hoje norteiam o processo civilizatório, com Confúcio e Lao-Tsé na China, os Upanishades e Buda na Índia, Zaratrusta na Pérsia, os profetas na Palestina e Homero e os filósofos na Grécia. Esses pensadores não tinham nenhuma conexão entre si, porém, as categorias básicas do nosso pensamento e todos os princípios básicos de nossas religiões foram criados nesse período. Vem daí o nosso humanismo. Nem por isso, porém, o eixo da História seguiu seu curso de acordo com essas doutrinas.
Em determinados momentos do processo civilizatório, há lugares melhores e piores para nascer. Por exemplo, era muito melhor ser grego do que bárbaro cinco séculos antes de Cristo, ou cidadão romano e não um grego nos primeiros séculos da era cristã. Não era um bom negócio ser judeu na Idade Média, nem na Europa dominada pelos nazistas. O desenvolvimento social e político real não foi linear nem pacífico, muito pelo contrário.
No século passado, por exemplo, quando a ciência e o conhecimento deram o seu salto mais arrojado, duas guerras mundiais mancharam de sangue esse progresso notável. O fantasma de uma guerra nuclear ainda nos assombra. Nesse curto período de grandes transformações, no qual se destacou o chamado “sonho americano”, houve grandes ondas migratórias da Europa para as Américas e a Oceania, em busca de uma vida melhor.
Lembro-me de uma conversa com um amigo sobre a reunificação alemã, logo após a queda do Muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria e da divisão do mundo no século passado entre os blocos ocidental e oriental. O primeiro, liderado pelos Estados Unidos, tinha o capitalismo como sistema econômico; o segundo era formado pela antiga União Soviética e demais países comunistas do Leste Europeu, além dos aliados nos demais continentes. O muro fora construído pelos comunistas alemães no ano de 1961, ao longo da fronteira. Seu objetivo era impedir a fuga de cidadãos para a Alemanha Ocidental, capitalista, que recebeu mais de dois milhões de pessoas do lado socialista entre 1949 e 1961.
Com 156 km de extensão e cerca de trezentas torres militares para observação, o muro era protegido por cães policiais e cercas eletrificadas. No final da década de 1980, o chamado “socialismo real” entrou em colapso e diversas manifestações começaram a surgir nas duas partes da Alemanha, reivindicando a sua destruição. Com marretas e outras ferramentas, o povo derrubou o muro em um protesto transmitido ao vivo pela tevê, para todo o mundo. Deu-se início ao processo que culminou na reunificação da Alemanha, em outubro de 1990.
Meu amigo é filho de imigrantes alemães. A família assistiu à reunificação da Alemanha pela televisão, uma solenidade grandiosa, que simbolizava a paz. Ao ver o velho chorando, perguntou ao pai se estava feliz com o acontecimento. Ele disse que, na verdade, estava triste, porque havia vindo para o Brasil pensando que os futuros filhos poderiam ter uma vida melhor aqui do que na Alemanha. Meu amigo tem uma vida confortável e uma família tipicamente brasileira, com fortes laços no Brasil rural. Nem de longe passa por sua cabeça deixar o Brasil.
Esperança
Entretanto, ultimamente, é crescente o número de pessoas que desejam deixar o país em busca de uma vida melhor. É muito comum ouvir comentários desse tipo, por exemplo, dos motoristas de Uber, geralmente pessoas com qualificação profissional que perderam os empregos e optaram por essa nova ocupação. A maioria dos nossos emigrantes tem direito à dupla nacionalidade, com raízes familiares em Portugal, Espanha e Itália. Os que não têm sonham com a vida na Austrália ou no Canadá, já que os Estados Unidos deixaram de ser um porto seguro por causa da política de Trump, o presidente americano mais xenófobo da História, que joga duro com os imigrantes latinos, inclusive com as crianças, sobretudo os clandestinos.
Pesquisas de opinião apontam que 44% dos eleitores estão pessimistas com as eleições deste ano no Brasil, 23% têm uma posição de neutralidade e apenas 20% veem o processo eleitoral com otimismo, sem falar nos 13% que simplesmente não têm opinião ou não querem falar. Parece que o Brasil está naquela categoria de país que deixou de ser um bom lugar para viver, embora essa não seja a opinião de milhares de venezuelanos que fogem da fome e da violência do regime de Maduro e atravessam nossas fronteiras quase todos os dias.
Nem todo mundo pode escolher o lugar no qual pretende viver, porque não tem recursos para isso, ou mesmo qualificação para arrumar um trabalho no estrangeiro. Ainda mais quando os países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos e os países europeus, começam a rejeitar os imigrantes de suas antigas colônias. A melhor opção ainda é aproveitar as eleições para dar um novo rumo ao país. Quem assistiu ao debate entre os presidenciáveis na TV Bandeirantes constatou que não temos muitas alternativas, mas há uma esperança: na democracia, é possível enfrentar os problemas e construir uma vida melhor. Olhando para o mundo lá fora, não é pouca coisa. Não se trata de ufanismo patriótico, é apenas a constatação da realidade.