Nas entrelinhas: Emenda das corporações

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O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens

O adiamento da votação da reforma da Previdência demonstrou a força das corporações dentro do Congresso, cujo lobby atuou no corpo a corpo com os deputados e por meio de campanhas em rádio e tevê. Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou recibo de que estão sendo negociadas com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, novas mudanças no texto. A principal é uma regra de transição para os servidores públicos que ingressaram na carreira até 2003. Hoje, esses servidores têm direito à integralidade e paridade, ou seja, conseguem se aposentar com o valor do último salário e têm reajuste igual ao servidor da ativa.

O texto do relator Arthur Maia (PPS-BA) estabelece a exigência de idade mínima igual à do trabalhador da iniciativa privada: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens, para ter direito aos dois benefícios, o que gerou forte reação dos servidores. Meirelles resiste às novas mudanças, mas admite os estudos: “São ideias que estão sendo veiculadas, mas, na realidade, a proposta que está na mesa é a proposta do substitutivo que não contempla esta modificação. Com isso, teremos tempo para discutir isso com calma.”

O problema do governo é que o lobby da alta burocracia que se aposenta com salário integral é muito poderoso. Ele atua em todos os poderes, em todos os níveis, e tem entidades sindicais e associações profissionais que não sofrem os efeitos da crise, porque esses servidores têm estabilidade no emprego. Magistrados, delegados federais, promotores, auditores fiscais e gestores lideram as pressões. Esse lobby é muito mais eficaz e refinado, por exemplo, do que o dos trabalhadores do setor privado. É capaz de produzir análises e estudos sobre a questão da Previdência que mostram o “outro lado” da questão.

Um dos argumentos é de que o governo se aproveita de uma situação conjuntural, a recessão, para inflar dados e alarmar a população. Os dispêndios totais da Previdência com benefícios, equivalentes a 6,9% do PIB em 2006, viriam revelando uma tendência de queda relativa desde então, só revertida em 2015, diante do recuo de 3,8% no PIB, quando os gastos passaram de 6,9% para 7,4% do montante global da produção final de bens e serviços na economia do país. Como o governo diz que pretende estabilizar os gastos da Previdência em 8% do PIB nas próximas décadas, argumentam que a meta já foi ultrapassada.

Na guerra de narrativas, o governo ainda está perdendo, mas o discurso de que o sistema de Previdência tira do pobre e dá para o rico está ganhando terreno. Nas contas do governo, o apoio da população à reforma subiu para 37%. Mais de 50% da população, porém, ainda rejeitaria as mudanças. O efeito colateral da campanha feita pelo governo nos meios de comunicação é a coesão dos servidores públicos federais, que pressionam deputados e senadores. Uma canetada, às vezes, pode inviabilizar um projeto ou deixar um político em apuros.

Na pauta

Ao jogar a votação da matéria para o próximo ano, quando os parlamentares disputarão eleições, a aprovação da reforma será ainda mais difícil. Ela não será votada na próxima semana porque o governo não tem mais do que 240 votos na Câmara para aprová-la. No Senado, a situação também estava complicada. Não foi à toa que o líder do governo na Casa, senador Romero Jucá (PMDB-RR), pulou na frente e anunciou que não haveria votação.

A grande dúvida é saber se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vai mesmo pôr em votação em 19 de fevereiro. Ele anunciou essa intenção para não sepultar de vez a reforma da Previdência. E desfazer a impressão de que o governo havia capitulado. Ter uma data para votação foi a maneira de evitar uma debandada dos deputados que estavam comprometidos com a reforma e neutralizar o desgaste dos partidos que fecharam questão a favor de aprovação, a pedido de Temer, estressando suas bancadas, mas viram o governo recuar sem avisar aos aliados.

Uma das dificuldades do governo é a posição do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso classificou de manobra a tentativa do governo de responsabilizar o partido pela não votação. Argumenta que a legenda tem apenas 46 deputados de 513. O líder tucano classificou de fictício o fechamento de questão pela Executiva da legenda: “Não existe punição possível para esses casos no estatuto de nenhum partido. Se punir, o sujeito vai à Justiça e ganha. Isso é briga fictícia, fazer de conta que fechou questão e está resolvido. Eu sou favorável à reforma para retirar privilégios. Mas não é fácil aprovar.”

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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