O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é criminal, não é político. Se fosse político, seria pelo conjunto da obra; mas, não, é um caso específico, envolvendo o tríplex de Guarujá
A maior surpresa possível no julgamento do recurso do Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) hoje, em Porto Alegre, será a sua absolvição das acusações de que seria proprietário do tríplex de Guarujá, cuja aquisição e reforma teriam sid’ feitas pela construtora OAS. Como se sabe, Lula está condenado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão, e a confirmação da sentença, em caso de unanimidade, praticamente o torna inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mesmo que não seja preso. A anulação da sentença seria a maior reviravolta no processo e um golpe de morte na Operação Lava-Jato.
Muitos apontam o julgamento de hoje como o mais importante da história. Não é verdade, como bem assinalou o ministro da Justiça, Torquato Jardim, um jurista renomado, especialista em legislação eleitoral. O maior julgamento político foi a cassação do registro do Partido Comunista em 1947, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A decisão somente foi revogada em 8 de maio de 1985, por decreto do ex-presidente José Sarney, que também provocou a extinção do processo contra 72 dirigentes do PCB, com base na extinta Lei de Segurança Nacional, acusados de tentar reorganizá-lo após a anistia, no congresso interrompido pela polícia em 13 de dezembro de 1982, no centro de São Paulo.
O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é criminal, não é político. Se fosse político, seria pelo conjunto da obra; mas, não, é um caso específico, envolvendo o tríplex de Guarujá, no qual as provas materiais e testemunhais foram consideradas robustas pelo juiz Sérgio Moro. A suposta falta de provas é apenas uma narrativa. Mas vamos supor que os desembargadores do TRF da 4ª Região absolvam Lula, hipótese mais improvável. Ficará a seguinte dúvida: ele foi absolvido porque não havia provas suficientes, como aconteceu com Paulo Okamotto, ou em razão das pressões políticas a que os desembargadores estão sendo submetidos, inclusive ameaças anônimas?
Para salvar sua imagem e evitar uma possível prisão, a estratégia de Lula não foi jurídica. Foi transformar o processo num julgamento político, como se estivesse diante de um tribunal de exceção, o que não é o caso. Mas essa é a narrativa construída pelo petista e seus aliados. Vamos supor que tenham êxito, que Lula seja absolvido. Neste caso, o que estará em questão não é o recebimento de propina e ocultação de patrimônio, é o conjunto da obra. A absolvição de Lula, nessas circunstâncias, seria a desmoralização do juiz federal Sérgio Moro e da Lava-Jato. E uma bandeira que poderia torná-lo, aí sim, imbatível nas eleições de 2018. A anulação da sentença de Moro seria o melhor marketing eleitoral de sua candidatura.
A campanha em defesa do ex-presidente Lula não tem nada a ver com o processo em si, tem a ver com o seu projeto político e ideológico. A defesa de Lula pelos militantes petistas e seus aliados é uma demonstração de fidelidade ao líder carismático e de desejo de voltar ao poder para um ajuste de contas, que já foi diversas vezes reiterado pelo próprio petista. Qual é o projeto anunciado: controlar os meios de comunicação, subjugar o Judiciário, acabar com a Operação Lava-Jato e alterar os mecanismos de promoção das Forças Armadas, para controlá-las. Não há novidade nisso, foi tentado, porém, não havia uma correlação de forças favorável.
Conjunto da obra
Será que agora essa correlação de forças já existe? Mesmo com Lula à frente nas pesquisas eleitorais, ainda não. Mas a politização do julgamento pode ser um largo passo à frente nessa direção, porque é uma aposta na radicalização política e no confronto com setores que defendem a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL). Não é à toa que os petistas saíram do estado de letargia em que estavam desde o impeachment de Dilma Rousseff e hoje voltaram às ruas, com suas velhas bandeiras e uma indisfarçável face “bolivariana”.
Ao contrário do que muitos imaginam, Lula não está isolado. O mundo político está traumatizado pela Lava-Jato. Cenas como a do ex-governador Sérgio Cabral algemado pelos pés e pelas mãos, dentro de um camburão, tiram o sono de qualquer político denunciado, com risco de perder o mandato. Por isso mesmo, esse tipo de humilhação de prisioneiro pode agradar a opinião pública, mas fortalece e unifica as forças que se opõem à Lava-Jato.
O processo de Lula gera sentimentos contraditórios entre seus adversários políticos. Sua condenação será um sinal de que todos, cedo ou tarde, serão julgados e condenados se houver provas suficientes; sua absolvição, um sinal de que o vento mudou e a Lava-Jato bateu no teto. O que está em jogo no julgamento de Porto Alegre é o futuro da democracia no Brasil. Por essa razão, é mais importante discutir o conjunto da obra e deixar o julgamento da materialidade das provas para os juízes. Essa é a discussão a ser feita caso Lula seja condenado ou absolvido.