Nas entrelinhas: É preciso ter cautela com depoimento de Delgatti

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Todos os atores relevantes vêm tendo o cuidado de apartar os militares que cercavam Bolsonaro das Forças Armadas. Pela gravidade das acusações, o depoimento poderia ser considerado uma ‘provocação’

Walter Delgatti Neto, o hacker de Araraquara, tem o perfil típico de um estelionatário. Segundo a legislação vigente desde 1940, o crime de estelionato exige quatro requisitos obrigatórios para sua caracterização: a) obtenção de vantagem ilícita; b) causar prejuízo a outra pessoa; c) uso de meio de ardil ou artimanha, d) enganar alguém ou a levá-lo a erro. A ausência de um dos quatro elementos impede a caracterização do estelionato. Ontem, na reunião da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, Delgatti fez revelações gravíssimas sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, ministros e militares.

O rosário de crimes e ações contra a democracia relatado pelo hacker precisa ser cuidadosamente investigado e comprovado, para que possam ter os desdobramentos políticos e jurídicos previstos na Constituição e no Código Penal, respeitado o devido processo legal. Delgatti escancarou as articulações golpistas para deslegitimar as eleições e manter Bolsonaro no poder a qualquer preço. Seu depoimento trouxe mais informações do que as que havia relatado à PF.

Segundo Delgatti, o ex-presidente o contratou para simular uma fraude eleitoral nas urnas eletrônicas. Quem intermediou essa aproximação foi a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Há dois aspectos no depoimento que precisam ser considerados. Um são os fatos gravíssimos que relatou; o outro, o contexto em que ocorreram, que corroboram seu depoimento. Na experiência forense, depoimentos de indivíduos com a trajetória do hacker têm credibilidade relativizada pela sua vida pregressa, mas podem ser comprovados no decorrer das investigações.

Inquirido pela relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), Delgatti chegou a dizer que o relatório apresentado pelos militares no qual a segurança das urnas eletrônicas fora questionada havia sido elaborado por ele, a pedido do general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. Também deixou claro o envolvimento direto do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na tentativa de acusar a Justiça Federal de fraudar as eleições.

Pela gravidade das acusações, o depoimento poderia ser considerado uma “provocação” para arrastar as Forças Armadas ao olho do furacão. Paulo Sérgio exerceu forte liderança quando comandante do Exército. Transformar a CPMI dos atos golpistas num fator de crise institucional, com o envolvimento de generais quatro estrelas, diante da sucessão de acontecimentos, interessaria a Bolsonaro e seus aliados extremistas.

Desgaste

De fato, é enorme o desgaste que os militares estão sofrendo com essa história toda, que obviamente inclui o caso da venda do Rolex de ouro branco e brilhantes e de outras joias pelo tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro, e seu pai, o general Lorena Cid, nos Estados Unidos. O ex-presidente recebeu essas joias de presente como chefe de Estado e, por isso, elas pertencem ao patrimônio da União. Segundo o novo advogado de Mauro Cid declarou ontem, o militar assim procedeu por ordem do presidente da República.

Até agora, todos os atores relevantes, com exceção dos bolsonaristas, vêm tendo o cuidado de apartar os militares que cercavam Bolsonaro das Forças Armadas como instituição. Tanto o Exército quanto o Superior Tribunal Militar (STM) também têm tratado o caso como um assunto extra-caserna, de responsabilidade da Justiça comum.

O governo Lula manteve distância regulamentar do caso, que está sendo conduzido sob a supervisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A propósito, nos meios jurídicos, há muitos questionamentos às decisões do ministro, no âmbito do polêmico inquérito das fake news, principalmente sobre as prisões e forma das operações de busca e apreensão.

Ontem, Moraes autorizou a quebra do sigilo fiscal, telefônico e das redes sociais de Bolsonaro, que está acuado, e da ex-primeira-dama Michelle. Qualquer tentativa de intimidar testemunhas, destruir provas ou fugir do país pode levá-lo à prisão preventiva. Uma decisão dessa ordem, porém, precisa ser muito bem embasada, porque a narrativa do bolsonarismo quanto a esses acontecimentos é de que tudo não passa de armação e perseguição política. Ou seja, é preciso respeitar o devido processo legal.`

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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