No Supremo Tribunal Federal (STF), seus ministros se digladiam para decidir se concedem a Paulo Maluf (PP-SP), em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso
Parece uma espécie de ópera bufa. Em Porto Alegre, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitaram ontem o último recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, o que levou o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, a qualificar a decisão de ilegal: “Mesmo levando em consideração os fatos analisados pelo TRF-4, colide com a lei e com a Constituição Federal”, disse. Lula está preso em Curitiba e mantém sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível.
O protesto do advogado está em linha com a entrevista concedida à rede de televisão do mundo árabe Al Jazeera pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PR), também enrolada na Operação Lava-Jato. Ela denuncia a condenação de Lula, ataca a Justiça brasileira, faz um apelo à solidariedade do mundo árabe, a pretexto de que teria havido um golpe de Estado no Brasil, e afirma que Lula é um preso político. É o caso de perguntar: que tipo de apoio ela está querendo da esquerda árabe, notoriamente ligada ao terrorismo?
Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal (STF), trava-se mais uma batalha ao vivo e em cores entre seus ministros, desta vez para decidir se concedem ao deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), atualmente em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. Votaram contra os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, enquanto Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski manifestaram-se a favor. O julgamento será concluído hoje, quando votarem os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Condenado em maio, o ex-prefeito de São Paulo teve um primeiro recurso negado em outubro pela Primeira Turma do STF. Em dezembro, o ministro Edson Fachin rejeitou um segundo recurso e determinou o cumprimento da pena em regime fechado, mas seu colega Dias Toffoli, a pedido da defesa, concedeu prisão domiciliar a Maluf por razões humanitárias. O episódio é a síntese das divergências na Corte, cujas turmas foram apelidadas pelos advogados de “Câmara de Gás”, a primeira, liderada por Barroso, que manda prender; e “Jardim de Éden”, a segunda, na qual Gilmar é o grande protagonista, que manda soltar.
Caso a Corte derrube a decisão de Fachin, Maluf poderá responder ao processo em liberdade; caso seja recusado, os ministros decidirão se permanecerá em prisão domiciliar ou voltará para o regime fechado. A votação é importante porque pode mudar a jurisprudência da Corte contra os recursos infringentes, ampliando as possibilidades de protelação dos julgamentos e de prescrição das penas. Os políticos enrolados na Operação Lava-Jato, sem distinção, torcem por Maluf.
Cortejo fúnebre
Para os que já estão enfadados de acompanhar os julgamentos, uma boa pedida é ver ou rever o clássico de Frederico Fellini, que empresta o título à coluna. Último grande filme desse mestre do cinema, E La Nave Va foi lançado em 1983, inspirado na mais original criação artística italiana: a ópera. Numa de suas passagens mais antológicas, os passageiros cantam um trecho de La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi. Recortes das obras de Bellini, Tchaikovsky e Rossini tecem a trilha sonora, numa homenagem ao compositor Nino Rota, responsável pelas trilhas originais de todos os seus filmes anteriores, que havia falecido.
O navio Glória N. parte com a nata do mundo artístico clássico em direção à Ilha de Erimo, com o propósito de jogar no mar as cinzas da grande diva Edmea Tetua, inspirada em Maria Callas, a célebre cantora grega que foi casada com o magnata Aristóteles Onassis. Matronas fellinianas, palhaços, tenores, sopranos, gente de todas as inclinações sexuais, e uma equipe de jornalismo que registra a viagem, além de um rinoceronte, são os passageiros da nave louca. Acabam surpreendidos pela dura realidade da Primeira Guerra Mundial quando resgatam um náufrago sérvio.
Durante a viagem, as personalidades, os temores e os defeitos dos passageiros são revelados por uma câmera onipresente, que mostra uma verdadeira guerra de egos entre eles. O jornalista ironiza o próprio trabalho: “Dizem: faça a crônica, conte o que acontece… Mas quem é que sabe o que acontece?” A guerra, porém, muda o rumo da história. Os temas da política e da diplomacia roubam a cena com a chegada de mais náufragos. A elite do navio desdenha do que acontece no convés, enquanto os miseráveis observam tudo pelas janelas do salão principal. É uma bela alegoria para o que está acontecendo na política brasileira, às vésperas de mais uma sucessão presidencial.