O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, passou a dividir o poder de distribuição de recursos federais com o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, cada vez mais enfraquecido
Os anões do Orçamento eram um grupo de parlamentares baixinhos que controlavam as emendas parlamentares e engordavam suas contas bancárias. O esquema exigia influência para aprovar as emendas e conseguir que determinada empreiteira vencesse a concorrência da obra. Depois, a empresa repassava uma parte dos recursos para o parlamentar. Uma fração era destinada à campanha eleitoral; a outra, ao enriquecimento ilícito, como é da tradição patrimonialista. Àquela época, o caixa dois eleitoral era generalizado. O que distinguia o político honesto do desonesto não era a origem do dinheiro da campanha, era a formação de patrimônio com esses recursos.
Entretanto, em 1993, o Brasil vivia sob as regras de uma nova Constituição, o presidente Fernando Collor havia renunciado para evitar o seu impeachment e, em seu lugar, o vice Itamar Franco havia assumido a Presidência. O então senador Fernando Henrique Cardoso, seu chanceler, assumira a Fazenda e preparava o Plano Real. Com a Constituição de 1988 e a autonomia do Ministério Público, a realidade institucional já era outra, incompatível com o velho modelo de financiamento das campanhas eleitorais.
No Congresso, quem dava a palavra final sobre as emendas parlamentares ao Orçamento da União era o seu relator, deputado João Alves (PMDB-BA), que entendia de bilhetes premiados, mas tinha que recorrer aos conhecimentos técnicos de João Carlos Alves dos Santos, um funcionário da Câmara, que conhecia a mágica da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Numa crise de consciência, após confessar o assassinato da própria esposa, Ana Elizabeth Lofrano, Alves resolveu contar o que sabia sobre o Orçamento. Durante as investigações do homicídio, havia sido preso com US$ 1 milhão em dinheiro vivo e 30 mil em notas falsas.
Formada para investigar o escândalo, a CPI do Orçamento descobriu que João Alves movimentava por mês 300 vezes o valor de seu salário de deputado, distribuía cheques aos parlamentares amigos e se jactava de ter ganho na loteria 56 vezes, só em 1993. Na verdade, comprava bilhetes premiados para lavar dinheiro. A CPI quebrou 395 sigilos bancários, 267 sigilos fiscais e 43 telefônicos; colheu 79 depoimentos, em 111 reuniões. Propôs a cassação de mandato de 18 parlamentares. Seis foram cassados e dois renunciaram, entre os quais, João Alves.
Onde mora o perigo
A jornalista Malu Gaspar, no livro A Organização (Companhia das Letras), nos revela como funcionava o outro lado do balcão. Em novembro de 1993, vizinhos desconfiaram da fumaça que vinha da mansão no Lago Sul onde vivia o então diretor de relações institucionais da Odebrecht, Aírton Reis. Era um churrasco, porém, no banheiro da residência, as agentes da Polícia Federal encontraram caixas com atas e relatórios de reuniões. Cerca de 350 políticos eram citados na documentação.
A Odebrecht havia montado um lobby poderosíssimo, que atendia parlamentares, prefeitos e governadores, sugerindo emendas, redigindo minutas de contratos e editais de licitação, captando recursos a fundo perdido e financiamentos para obras em estados e municípios. Segundo o relatório de desempenho de Airton Reis, no Orçamento da União de 1992, a Odebrecht havia emplacado 63 emendas, seis destaques e 20 subprogramas do seu interesse. No saldo final, isso representava US$ 646 milhões, para 152 contratos, nos quais a empresa esperava faturar, realmente, em torno de 25%.
Por um erro do relator da CPI, Jose Paulo Bisol (PSB-RS), a empresa conseguiu se safar da CPI, que propôs outra investigação sobre as empreiteiras, que não saiu do papel. Depois do escândalo, os métodos da Odebrecht ficaram ainda mais sofisticados, como nos relata Malu Gaspar, ao longo de 639 páginas. A casa caiu com o escândalo da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, e o acordo de colaboração da empresa com o Ministério Público Federal, ao qual revelou seu esquema de “operações estruturadas”.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro entregou a execução do Orçamento da União ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), que passou a dividir o poder de distribuição de recursos federais com o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, cada vez mais enfraquecido no Palácio do Planalto e desgastado na Faria Lima. A distribuição de emendas parlamentares, principalmente do chamado Orçamento Secreto, as emendas do relator, já estavam sob controle de outro cacique do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nunca os parlamentares da base do governo manipularam tantos recursos como agora. Alguns fazem questão de dar ampla divulgação à liberação dos recursos nas suas bases eleitorais, mas R$ 16,2 bilhões correspondem às emendas do relator, cujos verdadeiros autores permanecem no anonimato. É aí que mora o perigo.