Nas entrelinhas: Durma-se com esse barulho

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O denominador comum dos inquéritos é o recebimento de propina da Odebrecht para a campanha eleitoral. O presidente Michel Temer, citado nas delações, não pode ser investigado por fatos anteriores ao exercício do mandato

O provérbio português “E durma-se com um barulho desses” tem tudo a ver com a situação do país. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ontem 83 pedidos de abertura de inquérito ao Supremo Tribunal Federal para investigar políticos citados nas delações de 77 executivos e ex-executivos da empreiteira Odebrecht e da petroquímica Braskem (empresa do grupo Odebrecht). O barulho é tão grande que repercute em outros países onde a empreiteira também operou com o caixa dois.

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, admitiu ontem que fundos de sua campanha eleitoral de 2010 foram obtidos ilegalmente e pediu perdão à nação: “Lamento profundamente e peço perdão a todos os colombianos por este ato vergonhoso, que jamais deveria ter acontecido e do qual acabei de saber”, disse, num comunicado. Santos lidera uma articulação de chefes de Estado que pretendem ir à Organização dos Estados Americanos (OEA) exigir que o Ministério Público Federal libere os documentos da Operação Lava-Jato para que o envolvimento da empresa na política de seus respectivos países possam ser investigados.

As duas campanhas de Santos teriam recebido dinheiro da empreiteira brasileira, que pagou centenas de milhões de dólares de propina para projetos de infraestrutura em 12 países, incluindo Argentina, Colômbia, México e Venezuela, entre 2002 e 2016. Óscar Iván Zuluaga, candidato do partido de oposição de direita Centro Democrático na Colômbia, também está sendo investigado pelas autoridades eleitorais pela suspeita de ter recebido dinheiro da Odebrecht.

As autoridades desses países estrilam com o fato de que os acordos de delação premiada da Odebrecht com a Justiça brasileira safaram os executivos da empreiteira que operavam no exterior em eventuais processos naqueles países, que também não receberão indenizações, ao contrário do Brasil, Estados Unidos e Suíça.

A lista de políticos enrolados na Operação Lava-Jato permanece em sigilo. Com certeza, inclui os ministros do governo Temer já citados nas delações: Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Governo), Aloysio Nunes (Relações Exteriores), Bruno Araujo (Cidades) e Gilberto Kassab (Ciência e Tecnologia). Também estão citados os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), além dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff e o presidente do PSDB, senador Aécio Neves(MG).

De um total de 320 pedidos, 211 são para remessa de trechos de delações para outras instâncias da Justiça, ou seja, a turma que está sem foro privilegiado vai para Curitiba e outras varas federais. Houve sete pedidos de arquivamento. O relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, decidirá se quebra o sigilo dos nomes. Há um clamor pela revelação.

O denominador comum dos inquéritos é o recebimento de propina da Odebrecht para a campanha eleitoral. O presidente Michel Temer, citado nas delações, não pode ser investigado por fatos anteriores ao exercício do mandato. Ninguém espere que se manifeste como seu colega da Colômbia. Diante da instabilidade do quadro brasileiro, seria um sincericídio. Para tentar evitar um naufrágio, porém, Temer já avisou que jogará carga ao mar: quem for denunciado será afastado do governo; quem virar réu será exonerado definitivamente.

Há uma simetria entre a postura de Temer e o devido processo legal, mas a opinião pública não está nem aí para isso. Pelo contrário, o desgaste do governo só aumenta por causa da presença de ministros enrolados na Lava-Jato. A volta de Eliseu Padilha para a Casa Civil é um exemplo. Presença importante no governo, para operar a reforma da Previdência e manter a ampla base na Câmara, será uma fonte permanente de desgaste junto à opinião pública. No Palácio do Planalto, porém, a avaliação é de que são tantos envolvidos no esquema de caixa dois da Odebrecht que a citação dos ministros acabará diluída.

Vivíssimo
A jararaca está vivíssima. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem na Justiça Federal em Brasília, no processo no qual responde por suposta tentativa de obstrução da justiça. Do pondo de vista midiático, tenta fazer do limão uma limonada. Lula se disse vítima de perseguição política, desafiou seus acusadores a provarem o que dizem e transformou a audiência num palanque eletrônico.

Quem ainda tem dúvida de que está em campanha eleitoral pode tirar o burrinho da sombra. O ex-presidente da República está com sangue nos olhos e o velho discurso afiado. Já se apresenta como alternativa de poder e desafia os desafetos históricos.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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