Não se pode descartar a possibilidade de o tucano paulista desistir da candidatura à Presidência, mas dificilmente o fará como derrotado por uma conspiração interna
Avança uma conspiração surda na bancada paulista do PSDB para que o governador de São Paulo, João Doria, jogue a toalha e desista de ser candidato. As conversas entre paulistas e tucanos dissidentes, que querem pôr o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, no lugar de Doria, têm conexões com os aliados do Cidadania, que aprovou uma federação com os tucanos, e antigos líderes do União Brasil, que se afastaram de Doria por causa da filiação do vice-governador Rodrigo Garcia (ex-DEM) ao PSDB.
A terra se move sob os pés de Doria porque as pesquisas mostram que sua rejeição é a mais alta entre todos os candidatos e sua candidatura não encorpa nem mesmo em São Paulo. Os tucanos paulistas estão chegando à conclusão de que a insistência de Doria com a candidatura pode resultar na derrota de Rodrigo Garcia — que assumirá o governo de São Paulo e concorrerá à eleição — para o ex-prefeito paulista Fernando Haddad. A consolidação do nome do ex-governador Geraldo Alckmin como vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo PSB mostra que o conflito com o ex-governador Márcio França está sendo resolvido.
Esse acordo acendeu a luz vermelha na base de Garcia. Os temores dos tucanos paulistas de que ocorra um desastre eleitoral em São Paulo sinalizaram para os aliados de Eduardo Leite que Doria é um animal ferido. Seria uma questão de tempo o governador paulista virar comida de onça, principalmente depois que deixasse o Palácio dos Bandeirantes, em 2 de abril. Desafeto figadal de Doria, o deputado Aécio Neves (MG) é um dos que estão empenhados em manter Eduardo Leite na legenda, em razão desse cenário.
Como diria um velho político gaúcho, Eduardo leite está costeando o alambrado. Convidado pelo ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, está com um pé no PSD, no qual teria garantida à vaga para disputar a Presidência da República. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), pré-candidato do PSD, nunca assumiu para valer o desejo de disputar a Presidência da República. Com a mudança de legislatura, o senador mineiro tem condições de permanecer no comando da Casa, sem ter de disputar a reeleição neste ano. A dificuldade de Leite é escolher entre uma candidatura à Presidência garantida por Kassab e a mera expectativa de desistência de Doria. A escolha precisa ser feita até 2 de abril, o fim do prazo da janela para troca de partidos. A terceira opção é concorrer à reeleição ao governo do Rio Grande Sul.
Resiliência
A desistência de Doria, em razão de sua oposição interna, porém, não é a hipótese mais provável, porque essa é uma situação com a qual já lidou duas vezes: na disputa pela Prefeitura de São Paulo e, também, pelo Palácio dos Bandeirantes. Nas duas situações, apostou em amplas alianças e no marketing político, vencendo as eleições por seu desempenho na campanha. Doria apostou na agenda liberal e no discurso direto para a sociedade, trazendo a reboque os políticos recalcitrantes. Por que agora agiria diferente?
O que pode virar a mesa é o fato de que, desta vez, Doria não consegue ampliar suas alianças. A federação do PSDB com o Cidadania saiu a fórceps, provocando muita resistência interna, em estados importantes eleitoralmente, além da saída do governador da Paraíba, João Azevedo, que migrou para o PSB, e da senadora Leila do Vôlei, que pretende se candidatar ao governo do Distrito Federal, agora pelo PDT. A cúpula da legenda torce pela candidatura de Leite para acomodar os descontentes. A federação está sendo feita muito mais em nível de partidos do que em torno de sua candidatura. O senador Alessandro Vieira (SE) manteve-se, até agora, como pré-candidato, embora tenha boas relações com Doria.
Apesar de ser um homem obstinado e resiliente, Doria se pauta pela racionalidade. Não se pode descartar a possibilidade de desistir da candidatura, mas dificilmente o fará como um derrotado por uma conspiração interna. O que pode levá-lo a isso é a articulação de um projeto mais amplo, da chamada terceira via, com a narrativa de que seu projeto não é pessoal.
Mamãe Falei
O deputado estadual Arthur do Val, o Mamãe Falei, sem partido, comunicou ontem que não concorrerá à reeleição. Já havia retirado a candidatura ao governo paulista e se desfiliou do Podemos, tudo para evitar a possível cassação. Arthur do Val se deu mal porque viajou à Ucrânia e fez postagem ofensivas às mulheres ucranianas, que fugiam da guerra. Eleito no tsunami de 2018, na aba do chapéu do presidente Jair Bolsonaro, estava filiado ao Podemos havia apenas 30 dias. Provavelmente, mesmo assim, será cassados pela Assembleia Legislativa paulista.