A natureza da próxima eleição presidencial pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014
Há um ano a ex-presidente Dilma Rousseff subia ao cadafalso do Senado, que aprovou o seu impeachment em 31 de agosto, após a longa agonia iniciada em 2 de dezembro de 2015. Tudo começou pelas mãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que foi cassado pelos colegas e condenado à prisão pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, titular da Operação Lava-Jato. Dilma era passageira do fracasso do projeto nacional populista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; hoje, é um espectro que ronda as caravanas petistas na pré-campanha de seu padrinho político pelos grotões do país.
Os números do desgoverno Dilma não devem ser esquecidos: queda de 16% do PIB per capita entre 2013 e 2016, isso é, de R$ 30,5 mil para R$ 25,7 mil por ano. Aumento do desemprego de 6,4% para 11,2%, com a demissão de 12 milhões de trabalhadores. A pior recessão da história: chegou a 6%. Para se ter uma ideia do que isso significava, a grande recessão de 1929-1933 foi de 5,3%; a de 1980 a 1983, 6,3%; e a de 1989 a1992, 3,4%. O deficit fiscal subiu de R$ 145 bilhões para R$ 200 bilhões. A dívida pública chegou a 70% do PIB ao fim do ano. Esse cenário foi revertido pelo impeachment.
Dilma foi julgada por causa das “pedaladas fiscais”. Mas já estava bastante enrolada nas investigações sobre o caixa dois de suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. De acordo com a Constituição, não podia, porém, ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. O julgamento de Dilma Rousseff no Senado foi um grande mise-en-scène petista para construir a narrativa do “golpe de estado” e dele sair como vítima, sem assumir a responsabilidade principal pela crise econômica, política e ética da qual o país agora tenta emergir.
A passagem do PT pelo poder foi um assalto ao Estado. Em dois sentidos: primeiro, o aparelhamento do governo por meio da ocupação de milhares de cargos comissionados, tanto na administração direta, como na indireta, inclusive estatais, de forma fisiológica e clientelística; segundo, o sistemático desvio de recursos públicos para financiamento eleitoral e formação de patrimônio pessoal, via superfaturamento de obras e serviços. Mas o PT não assaltou o poder sozinho, parte das forças que hoje estão no governo Temer, a começar pelo PMDB, participou de tudo isso. E não dá para ignorar que setores da antiga oposição também se atolaram na lama da crise ética.
O resultado é um tremendo desgaste das instituições políticas, dos partidos e dos seus líderes. O presidente Michel Temer, ao assumir, herdou o estrago do governo de Dilma, do qual fizera parte, e seu índice de aprovação é baixíssimo. O desprestígio do Congresso dispensa comentários. Pesquisa recente do instituto Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas mostra a decepção com os principais líderes políticos do país. Os níveis de rejeição são um verdadeiro strike na elite política: Michel Temer (93%), Aécio Neves (91%), Eduardo Cunha (91%), Renan Calheiros (84%), José Serra (82%), Fernando Henrique Cardoso (79%), Dilma Rousseff (79%), Geraldo Alckmin (73%), Rodrigo Maia (72%), Lula (66%), Marina Silva (65%), Ciro Gomes (63%), Henrique Meirelles (62%), Marcelo Crivella (60%), Jair Bolsonaro (56%), Paulo Skaf (55%), Tasso Jereissati (55%), Nelson Jobim (54%), João Doria (52%) e Luciano Huck (42%).
Onde está o centro?
Quem mira as eleições de 2018 vê o potencial dos possíveis candidatos com sinal trocado na mesma pesquisa. Huck tem 44% de aprovação; Lula, 32%; Marina, 24%; Jair Bolsonaro, 21%; Doria, 19%; Dilma, 18%; Renan, 15%; Alckmin, 14%, Ciro Gomes, 11%; FHC, 10%, para ficar nos dois dígitos. Vejam bem: não se trata de uma pesquisa eleitoral; é uma pesquisa de imagem dessas personalidades, algumas das quais são pré-candidatas assumidas; outras nem cogitam disputar as eleições.
Como as pré-campanhas mais agressivas são de Lula e Bolsonaro, quando são feitas as pesquisas eleitorais, ambos aparecem como protagonistas de uma radicalizada polarização direita versus esquerda. Considerando-se, porém, os índices de rejeição, pode ser que essa probabilidade não seja tão grande assim. Ao olharmos com atenção a pesquisa Ipsos, veremos que a possibilidade do surgimento de alternativas de centro-direita (Huck, 44%; Doria, 19%) e centro-esquerda (Marina, 24%; Alckmin, 14%) realmente existe. Mas qual é a dificuldade para isso? É a rejeição aos partidos e políticos que aí estão.
O grande problema da construção de uma candidatura do “centro democrático” tem a ver com isso. E com a natureza da próxima eleição, que pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014, quando as estruturas de poder tiveram um peso decisivo na construção das alianças e no desfecho do resultado das urnas. As eleições municipais passadas, principalmente nas principais cidades do país, revelaram enorme descolamento da sociedade em relação à política tradicional. A eleição de domingo no Amazonas revelou índices astronômicos de abstenção. Pode ser que essas tendências persistam até o próximo ano. Uma candidatura ao centro também pode surgir a partir da sociedade e não das estruturas de poder, como sempre acontece. Huck e Marina, muito mais do que Doria e Alckmin, estão sinalizando isso.
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