Ironicamente, quem assumirá a Presidência durante a viagem de Dilma será o vice Michel Temer, que é acusado de golpista e traidor
Seria ridículo, se a situação não fosse trágica. A viagem da presidente Dilma Rousseff hoje para a assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, com objetivo de utilizar a cerimônia de assinatura do acordo sobre o clima, celebrado em Paris no ano passado, para denunciar a suposta existência de um golpe de Estado em curso no país será um vexame mundial. Há duas semanas o Palácio do Planalto realiza um intenso trabalho de divulgação internacional dessa versão sobre o pedido de impeachment em tramitação no Congresso, para influenciar a opinião pública mundial, seja por meio dos correspondentes estrangeiros, seja mobilizando diplomatas e representantes petistas no exterior.
Dilma pretende fazer um discurso de cinco minutos diante dos demais chefes de Estado, no qual repetirá o mantra de que não existe crime de responsabilidade para a aprovação do seu impeachment pelo Congresso e de que a democracia brasileira está ameaçada, o que é falso. A narrativa obteve certa repercussão internacional porque é difícil mesmo entender o funcionamento das nossas instituições políticas. O Congresso Nacional exerce suas prerrogativas conforme rito definido pelo Supremo Tribunal Federal, cujo presidente, Ricardo Lewandowski, presidirá o julgamento do impeachment no Senado. A versão de “golpe parlamentar”, mesmo assim, será reforçada junto aos principais líderes mundiais, como o presidente norte-americano, Barack Obama, e a primeira-ministra alemã, Angela Merkel.
Ironicamente, quem assumirá a Presidência durante a viagem será o vice Michel Temer, que Dilma acusa de golpista e traidor, o que torna situação ainda mais ridícula, pra não dizer kafkiana. É tão sem sentido que o vice-presidente pretende permanecer em São Paulo, para não fazer um mise-en-scène, no mínimo, constrangedor. Essa pantomina, que desmoraliza o Brasil externamente, porém, joga por terra o discurso petista de que a mobilização popular contra o governo, que foi iniciada nas manifestações de 2013, seria obra da direita fascista, apoiada pela mídia golpista e financiada pelo imperialismo, de olho no petróleo da camada pré-sal e nas demais riquezas nacionais.
Ontem, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, reiterou que os procedimentos do processo de impeachment respeitam a Constituição. Segundo ele, Dilma exerce em plenitude as atribuições constitucionais de seu cargo, que “lhe dá legitimidade para atuar no plano internacional”, mesmo desgastada pela aprovação da abertura do processo de impeachment pela Câmara, por 367 votos a favor do impeachment, 137 contra, além de sete abstenções e duas ausências. Celso de Mello disse, porém, que o Supremo Tribunal Federal, “ao julgar uma Arguição de Descumprimento de preceito Fundamental, deixou claro que o procedimento destinado à abertura do processo de impeachment observa os alinhamentos ditados pela Constituição da República.”
A narrativa petista do golpe, que mobiliza os militantes petistas e parcela da esquerda, começa a constranger os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Ontem, a Corte adiou o julgamento da ação que suspendeu a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil (medida liminar do ministro Gilmar Mendes), a pedido do ministro-relator da Operação Lava-Jato, Teori Zavascki, que pleiteou mais tempo para examinar duas outras ações sobre o mesmo assunto, uma do PSDB e outra do PPS.
Desmanche
O parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a liminar de Gilmar Mendes é favorável à anulação da nomeação de Lula para a Casa Civil e recomenda que as investigações da Operação Lava-Jato sobre o ex-presidente sejam remetidas de volta para o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. A decisão do STF, em sessão brevíssima, foi previamente combinada entre os ministros e sinaliza que a Corte pretende aguardar a decisão do Senado sobre a admissibilidade do pedido de impeachment, que resultará no afastamento da presidente Dilma Rousseff por 180 dias, para decidir o destino de Lula.
Enquanto Dilma viaja, o governo se desmancha. Os ministros Eduardo Braga (Minas e Energia) e Hélder Barbalho (Portos) entregaram os cargos ontem, apesar dos apelos da presidente. Com estes, são nove ministérios sem titular: Aviação Civil, Casa Civil, Cidades, Ciência e Tecnologia, Esporte, Integração Nacional e Turismo. Para complicar a situação, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, perdeu completamente o controle sobre a situação fiscal, descumprindo a meta de superavit fiscal de 0,5% do PIB. Se o Congresso não autorizar um deficit primário de 1,55% do PIB, equivalente a R$ 96 bilhões, o governo não poderá pagar fornecedores e funcionários, ou seja, depois de quebrar o país, Dilma levou seu governo à falência.