A presidente afastada tenta se livrar da responsabilidade sobre a denúncia de caixa dois na sua campanha e diz que o problema é do PT
Um famoso revolucionário dizia que recuar em ordem mais difícil do que avançar, pois exige muito além de coragem e audácia, mas sangue-frio, cálculo, organização, disciplina, capacidade de comando, avaliação correta da correlação de forças, para a retirada não virar uma debandada, o completo desastre. Esse parece ser o desafio posto para a presidente Dilma Rousseff, que prepara sua retirada definitiva do poder e despacha para Porto Alegre, a cada viagem, uma parte de seus pertences pessoais.
Depois da derrota do “Não vai ter golpe”, a palavra de ordem que empolgou a militância petista, sepultada já na aprovação do pedido de impeachment pela Câmara; e do esvaziamento do “Fora Temer”, que embalou a saída de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto e a resistência dos petistas nos ministérios, já não restam muitas esperanças de impedir a aprovação definitiva do impeachment pelo Senado e voltar ao poder.
O embargo de uma decisão dos senadores — a contagem regressiva já começou — é a mais remota das possibilidades no Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que a tese do “golpe parlamentar”, o eixo da defesa de Dilma, continue sendo propagada aos quatro ventos pelo PT e aliados. O julgamento do impeachment pelo “tribunal internacional” armado para condenar o golpe, formado por juristas indicados pelos partidos aliados do PT no exterior, foi apenas um ato de repercussão. Não tem a menor legitimidade nos fóruns internacionais dos quais o Brasil participa.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já desencanou do impeachment e foi cuidar da sua vida, numa estratégia para segurar a sua base eleitoral mais resistente, principalmente no Nordeste, e se manter como alternativa de poder em 2018. O PT finge que luta pela volta de Dilma, a ponto de o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), olimpicamente, afirmar que ainda não decidiu seu voto, mas acredita que, em caso de votação, secreta até o PT votaria pelo impeachment. Pura ironia: ele traduz o que os parlamentares petistas dizem à boca pequena, ou seja, para a sobrevivência da legenda é melhor ter o presidente interino, Michel Temer, como inimigo, e a tese do golpe parlamentar como o discurso do que ter que defender Dilma até o fim do mandato.
Mas voltemos à retirada. O problema de Dilma é o seu “day after”, ou seja, o dia seguinte após deixar o Palácio da Alvorada. Explica-se: com mandato cassado, perderá as prerrogativas de foro e imunidades de presidente da República, entre as quais a de não ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. Toda a estratégia de defesa de Dilma é blindada por esse dispositivo, pois até mesmo o que aconteceu entre 2010 e 2014, seu primeiro mandato, está fora de consideração no julgamento do impeachment. Ocorre que a aprovação de Dilma e a cassação de seu mandato pelo Senado, por crime de responsabilidade, ainda que polêmica, abrir-lhe-á as portas do inferno da Operação Lava-Jato, em Curitiba.
Caixa dois
É por isso que Dilma tenta se livrar da responsabilidade sobre a denúncia de caixa dois na sua campanha de 2010 e diz que o problema é do PT. Como se sabe, o publicitário João Santana e sua mulher e sócia, Mônica Moura, na semana passada, disseram que receberam US$ 4,5 milhões recebidos em uma conta na Suíça, tendo como origem o caixa dois da campanha de Dilma. O casal foi interrogado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato na primeira instância.
Argumenta Dilma: “Se ele recebeu US$ 4,5 milhões, não foi da organização da minha campanha, porque ele diz que recebeu isso em 2013. A campanha começa em 2010 e, até o fim do ano, antes da diplomação, ela é encerrada. Tudo que ficou pendente sobre pagamentos da campanha passa a ser responsabilidade do partido. Minha campanha não tem a menor responsabilidade”. Dilma é quem mandava na sua campanha e não o presidente do PT, Rui Falcão, cujo nome não apareceu em nenhuma delação premiada até agora.
Para complicar a vida de Dilma, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, encaminhou para o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, novos detalhes sobre a empresa DCO Informática, contratada para disparar mensagens para celulares via WhatsApp durante a campanha. A empresa tem sede na cidade mineira de Uberlândia e recebeu R$ 4,8 milhões pelo serviço, em quatro repasses feitos ao longo de uma semana em outubro de 2014. A empresa não tem identificação na fachada e funciona como residência. O avanço das investigações sobre a campanha de Dilma desconstrói o discurso do golpe.