Lula e o PT se preparam para uma retirada organizada da Esplanada, com um discurso político que visa manter sua candidatura a presidente da República em 2018
Com todo respeito, a presidente Dilma Rousseff está fora da casinha, como diria Maria Clara, a filha de um amigo meu. Sua entrevista ontem, às vésperas da votação do pedido de impeachment, foi um desastre para os que ainda tentam reverter a oposição nas ruas e articular uma base com mais de 172 deputados para resistir ao afastamento. Que falta faz o marqueteiro João Santana, que continua preso em Curitiba; era ele quem tirava Dilma das cortas nos momentos de crise.
Desta vez, as declarações de Dilma não ocorreram num ato do tipo “nós com nós” que sua assessoria organiza quase todos dias no Palácio do Planalto. Dilma conversou com jornalistas do primeiro time de Brasília no Palácio do Planalto. E voltou a denunciar os golpistas: “Não importa se é um pedreiro, engenheiro, professor ou empresário. É golpista”, disparou. Depois, porém, propôs um amplo pacto se o impeachment não for aprovado pelo Congresso. Pacto com quem, cara-pálida? — indagaria o índio Tonto, o amigo do Zorro.
Dilma explica: “A crise no país é tão grave que não há solução que não seja por meio de um pacto”. Segundo ela, o acordo que pretende propor deve envolver todos os setores da sociedade — governo, oposição, empresários e trabalhadores. “Sem vencidos nem vencedores”, disse. Ou seja, ela quer fazer um acordo com os “golpistas”. Só que agora é tarde, a base na Câmara foi volatilizada, pelo conjunto da obra e pelo desprezo com que sempre tratou os políticos de sua própria base.
Dilma ignora o sentimento das ruas e a ampla coalizão pró-impeachment que se formou na Câmara, com PMDB, PSDB, PP, PRB, PSD, DEM, PTB, SD, PSB e PPS, o que levou o PT, PCdoB e PDT ao isolamento. Erra quando atribui o processo de impeachment a dois adversários apenas: o “senhor presidente da Câmara” e o vice-presidente Michel Temer. Segundo Dilma, haveria uma “sociedade”entre ambos, pois Cunha será o vice-presidente da República, caso o impeachment seja aprovado. É meia verdade: se não for cassado antes disso, Cunha deixará o comando da Casa em janeiro.
Dilma continua perdida em relação à crise econômica. Em vez de rever os próprios erros, persiste na narrativa de que a crise política é que causou a recessão, o desemprego e a inflação. “Nós estamos diante de uma situação em que há uma interação entre uma instabilidade política profunda, que há 15 meses afeta o país. Portanto, há uma interação entre a crise política com a econômica. Não digo que a crise econômica decorre da política, mas é bem intensificada”.
Sua análise da situação da economia é “rudimentar” e “desqualificada”. Essas são as duas palavras que usou para detonar a política de superavit fiscal do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, em reunião ministerial do governo Lula. “Não acho que tenham sido por conta das medidas anticíclicas as nossas mazelas. Nós adiamos a crise. Quando há quebra no ciclo econômico, a crise aparece. Nós temos disfunções. Nós precisamos ultrapassar essas disfunções. Acredito que tivemos um aprofundamento da crise derivado do fato de que, ao fazer a política anticíclica, derrubamos demais a arrecadação do país”, resumiu.
Retirada
A base do governo na Câmara se desmilinguiu. Depois do desembarque do PP, ontem foi a vez do PSD fazer a mesma coisa. O ministro das Cidades, Gilberto Kassab, presidente da legenda, porém, pretende permanecer no cargo até a votação do impeachment. Há um certo cinismo na demonstração de lealdade.
A débâcle do governo Dilma mudou o eixo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que até hoje não conseguiu tomar posse como ministro na Casa Civil, pois sua nomeação está sub judice por causa da Operação Lava-Jato. Lula tentou recompor a base do governo Dilma várias vezes, como uma espécie de Sísifo, aquele personagem da mitologia grega condenado a repetir a mesma tarefa eternamente: ele empurra uma pedra até o topo da montanha, mas toda vez que está quase chegando lá, a pedra rola ladeira abaixo.
Na verdade, a estratégia de Lula já não é salvar o mandato de Dilma, que será uma “carta fora do baralho” se o impeachment for aprovado, como a presidente da República admitiu ontem. Lula e o PT se preparam para uma retirada organizada da Esplanada, com um discurso político que visa manter sua candidatura a presidente da República em 2018. Petistas admitem que se sentirão mais confortáveis na oposição a Temer, caso o vice-presidente assuma o poder, do que se forem obrigados a dar sustentação ao pacto proposto por Dilma na entrevista de ontem.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…