Tão logo o Senado acolha o pedido, em prazo que dependerá do rito a ser adotado, Dilma será afastada do cargo e Temer terá que formar um governo provisório
Desde ontem, o governo Dilma Rousseff está como aquele paciente em morte cerebral, cujo coração ainda palpita porque respira por aparelhos. Foram 367 votos a favor do impeachment, 137 contra, além de 7 abstenções e 2 ausentes. Para ser aprovado na Câmara, o processo dependia do voto de no mínimo 342 dos 513 deputados. Se a margem de aprovação do pedido de impeachment fosse estreita, talvez o governo estivesse em estado de coma, porque a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rito do impedimento esvaziou os poderes da Câmara para afastá-la do cargo. Não fosse isso, a petista hoje arrumaria as gavetas do Palácio do Planalto para passar o poder, imediatamente, ao vice-presidente Michel Temer.
A agonia da presidente da República será prolongada pelo fato de que o pedido precisa ser aceito por maioria simples dos senadores (50% mais um) para que o afastamento seja consumado. Depois, o pedido de impeachment precisará ser julgado e aprovado pelo Senado, por maioria de dois terços, no prazo de 180 dias. Mesmo assim, a decisão da Câmara foi uma derrota estratégica para o governo. Reverter a decisão no Senado é uma missão impossível.
O Palácio do Planalto bem que tentou criar um clima de virada, vazando informações para a imprensa de que haveria muitas traições do outro lado. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva trabalhou intensamente, mas já era tarde demais. Durante a semana, chegou a ligar para muitos deputados que debandaram da base governista, sem sucesso. “Desculpe-me, mas não quero falar com o senhor. Você nunca ligou pra mim antes”, disse-lhe um deputado do chamado baixo clero, na manhã de ontem, quando o petista ainda cabalava votos para Dilma. Se Lula, que é bom de trato, nunca havia ligado, imaginem a presidente Dilma Rousseff, que preferiu dar uma volta de bicicleta.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), e o líder do PT, Afonso Florence (PT-BA), ainda tentaram manter o ânimo da tropa, no corpo a corpo que antecedeu a sessão da Câmara. Mas não conseguiram esconder os semblantes de quem estava espiritualmente derrotado. Até mesmo o deputado Sílvio Costa (PTN-PE), que comanda a tropa de choque governista na Casa, dava sinais de que marchava para uma derrota anunciada. Tentavam desesperadamente manter uma base mínima contra o impeachment. E apregoavam um número cabalístico: 200 deputados (na verdade, esse número nunca existiu).
Enquanto isso, a oposição flanava pelos corredores da Câmara. Seus números eram otimistas. O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), dizia que os votos pró-impeachment poderiam chegar a 376. O presidente da Solidariedade, Paulinho da Força, garantia que eram 377. O líder do PSDB, Antônio Imbassahy, apostava mais alto: 380 deputados. Esse foi o clima que antecedeu a votação.
Mas essa é uma página virada. O PT deve recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), argumenta que não houve base constitucional para aprovação do impeachment. Há uma brecha aberta pela decisão da Corte que rejeitou a anulação do pedido, pleiteada pela Advocacia-Geral da União e pelo PCdoB, pois não se tratou do mérito da questão. A nova tentativa de judicialização será questionar a decisão no mérito quando ela chegar ao Senado, cujo presidente, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ainda não decidiu de que lado pretende ficar. É um craque da ambiguidade.
A transição
Tão logo o Senado acolha o pedido, em prazo que dependerá do rito a ser adotado por Calheiros, Dilma será afastada do cargo e Temer terá que formar um governo provisório, cujo caráter será a chave da transição. No cargo, precisará equilibrar competência administrativa e representatividade política. Não será uma tarefa simples. O sucesso de Temer na transição dependerá da qualidade de sua equipe econômica e da participação da oposição. O apoio do empresariado e uma maioria no Congresso para aprovar as medidas necessárias para enfrentar a crise dependerão desses dois aspectos.
E o apoio popular? Essa á questão mais delicada, uma vez que Temer assumirá com altos índices de rejeição popular, inversamente proporcionais ao apoio da opinião pública, cuja sintonia maior é com a força-tarefa da Operação Lava-Jato e não com o Congresso. Dezenas de políticos envolvidos no escândalo votaram a favor do impeachment, a começar pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cuja cabeça é pedida pelo povo nas ruas, no altar da moralidade pública.
Além disso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou fritar o peixe com um olho no gato e outro na frigideira. O gato levou o peixe, mas a frigideira continua na sua mão. A narrativa de golpe sustentada pelo PT, o PCdoB e o PSOL, o núcleo ideológico da resistência ao impeachment, é uma plataforma de luta contra o novo governo. Derrotas de grande envergadura costumam provocar desagregação e desânimo, é certo, mas o realinhamento de forças em curso somente terminará nas eleições de 2018. Lula já está em campanha para voltar à Presidência.