A Operação Quinto do Ouro faz parte da estratégia de regionalização das investigações da Operação Lava-Jato, a partir das delações premiadas da Odebrecht
A condução coercitiva do presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Jorge Picciani, e a prisão de seis conselheiros do Tribunal de Contas fluminense são um sinal de que a Operação Lava-Jato vai se desdobrar em muitas direções, mirando parlamentares e magistrados nos estados. Picciani é o político fluminense mais poderoso da atualidade, fiador das reformas que o governador Luiz Fernando Pezão tenta aprovar no Legislativo e das negociações com o governo federal para obter recursos para o caixa estadual. Ontem, passou mais de três horas depondo na Superintendência da Polícia Federal no Rio, em razão de mandado de busca e apreensão em sua casa e no seu gabinete na Alerj.
Picciani é o principal alvo político da Operação Quinto do Ouro, que investiga desvios de até 20% de contratos com órgãos públicos para autoridades, em especial, membros do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) e da Alerj. Estão presos os conselheiros Aloysio Neves, atual presidente do TCE-RJ, Domingos Brazão, José Maurício Nolasco, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e Aluísio Gama de Souza. Mesmo assim, Picciani manteve a Assembleia em funcionamento e recebeu a solidariedade dos seus pares.
A operação é um filhote da Lava-Jato e faz parte da estratégia de regionalização das investigações, a partir das delações premiadas da Odebrecht e de outras empreiteiras. Depois da prisão do ex-governador Sérgio Cabral, amplia-se o leque do combate à corrupção na política fluminense, mirando a base parlamentar do grupo e suas ramificações, inclusive no Judiciário. De certa forma, é um “case” do que pode acontecer em outros estados, inclusive Minas e São Paulo.
Não é à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, encaminhou o pacote de medidas anticorrupção para o Senado. Projeto de iniciativa popular elaborado pelos procuradores da Lava-Jato, porém, foi completamente desfigurado ao ser aprovado pelos deputados. No Senado, também começou a andar o projeto de abuso de autoridade, que prevê a punição inclusive de juízes. A cúpula do Senado é o núcleo duro da resistência à Operação Lava-Jato no Congresso e teme o avanço das investigações nos estados, pois isso ameaça a sobrevivência política de muitos senadores.
Num ano pré-eleitoral, a regionalização das investigações terá um efeito devastador nas eleições. No Rio de Janeiro, por exemplo, o clima de revolta da população com os políticos é generalizado. A reação popular ontem à volta da ex-primeira-dama fluminense Adriana Anselmo para casa, onde ficará em prisão domiciliar para poder cuidar dos filhos pequenos, ilustra bem o grau de insatisfação. Vizinhas batiam panelas na calçada e gritavam: “Volta pra Bangu!”. Referiam-se ao complexo prisional na Zona Oeste do Rio, onde Cabral continua preso.
Reação
Os políticos enrolados na Lava-Jato querem mudar as regras do jogo, ou seja, a legislação sobre corrupção, caixa dois eleitoral e abuso de autoridade. Relator da matéria, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) quer votar o projeto sobre abuso de autoridade no dia 19 de abril. Ontem, fez a leitura do seu relatório na CCJ, no qual propõe a revogação da lei de 1965 e cria uma nova legislação, com punição mais rigorosa e com a inclusão de mais situações em que uma autoridade pode ser enquadrada na prática de abuso, inclusive procuradores e juízes. Argumenta, porém, que a legislação vigente é obsoleta e o novo texto protegerá os cidadãos das camadas mais populares de abusos, sobretudo, de policiais.
O relatório de Requião propõe punição de 1 a 4 anos e pagamento de multa para a autoridade que divulgar gravação sem relação com a prova que se pretendia produzir, “expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo a honra e a intimidade” do acusado ou do investigado no processo. Reclusão de 2 a 4 anos para quem realizar interceptações ou escutas sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Detenção de 6 meses a 2 anos e multa para a autoridade que estende a investigação sem justificativa e em “prejuízo do investigado”. Detenção de um a quatro anos e multa para quem decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole o valor estimado para a satisfação da dívida da parte.
Num recado direto para a força-tarefa da Lava-Jato, pena de 1 a 4 anos de detenção, além do pagamento de multa, para delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem “captura, prisão ou busca e apreensão de pessoa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária”. Detenção de 1 a 4 anos para a autoridade policial que constranger o preso, com violência ou ameaças, para que ele produza provas contra si mesmo ou contra terceiros; invadir, entrar ou permanecer em casas de suspeitos sem a devida autorização judicial e fora das condições estabelecidas em lei; e obter provas, durante investigações, por meios ilícitos. A pena por não fornecer cópias das investigações à defesa do investigado seria a detenção 6 meses a 2 anos.