O vendaval que provocou o colapso energético da capital paulista mexeu com os humores dos eleitores, mas não o suficiente para mudar os rumos da eleição
O último roteiro escrito por Akira Kurosawa não foi filmado pelo genial cineasta japonês, que já estava muito doente e morreu de um derrame, aos 88 anos, em 1998. Depois da chuva foi dirigido por Takashi Koizumi, seu assistente, por escolha do filho de Kurosawa. O diretor já havia trabalhado com Kurosawa em Kagemusha, a sombra de um samurai, Ran, Sonhos, Rapsódia em agosto e Madadayo.
O filme conta a história de Ihei Misawa (Akira Terao), um ronin (samurai errante) em busca de emprego, em meio ao dilema de lutar ou não lutar por dinheiro e obrigado a parar numa pequena hospedaria, porque as chuvas tornaram um rio intransponível. Serão dias de espera à beira da estrada, ao lado de pessoas muito pobres. São carregadores e artistas sem condições de sair para trabalhar, o que agrava a situação. Com o passar dos dias e as necessidades de sobrevivência, os conflitos aparecem. Revela-se o caráter de cada um.
A história é um drama humano bem característico de Kusosawa. O ronin se sensibiliza com os demais hóspedes: “Os pobres precisam se unir”, conclui, diante das desavenças que surgem. Quando a chuva passa, Misawa sai em busca de alimentos para um banquete, que muda os humores daquelas pessoas da água para o saquê, digamos assim. Em lugar das brigas e desconfianças, voltam a alegria e a empatia. Depois da chuva é um filme sobre a humanidade em tempos de crise, a partir de um microcosmo. Para alguns críticos, seu final é doce e romântico demais para uma história de samurais. Prefiro assim.
Pouco mudou
Lembrei-me do filme de Kurosawa a propósito das eleições para a Prefeitura de São Paulo. O vendaval que derrubou árvores e postes e provocou um colapso energético na capital paulista e nas cidades vizinhas, no último dia 11 de outubro, deixou milhares de casas sem energia e muitos moradores sem ter como trabalhar. O evento extremo mexeu com os humores da população em pleno processo eleitoral.
Mas não o suficiente para mudar radicalmente os rumos da disputa pela Prefeitura de São Paulo, no segundo turno, cuja votação será no próximo domingo. No Datafolha de quinta-feira passada, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) tinha 51% das intenções de voto, contra 33% do deputado federal Guilherme Boulos (PSol). Os números pouco mudaram em relação ao levantamento da semana anterior: 55% a 33%, com margem de erro de três pontos percentuais.
Ontem, por causa da chuva, Boulos cancelou dois eventos de campanha, um no Jardim Myrna e outro em São Mateus, nos quais estaria acompanhado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Optou-se por fazer uma gravação da campanha ainda pela manhã. O candidato do PSol pretende percorrer a cidade hoje para acompanhar os efeitos da chuva, que se tornaram o principal tema da campanha eleitoral nesta reta final.
Mais chuvas ocorrerão hoje, com rajadas de vento de até 40km/h na Represa Guarapiranga, segundo a plataforma WindGuru. Se alguém acha que a chuva pode ajudar a oposição, hoje atrapalha. Também há previsões de fortes ventos na quinta e na sexta-feira, com rajadas de até 55 km/h, às vésperas das eleições.
Mas é um erro apostar no quanto pior, melhor. Eleitoralmente, essa agenda já deu o que tinha que dar, a não ser que surja algum escândalo quanto aos contratos de poda de árvores da Prefeitura. Na terça-feira, nova pesquisa Datafolha será divulgada. A conferir.
Grande ABC e PCC
A situação do PT na região do Grande ABC, seu berço histórico, também é difícil. Na sexta-feira, Lula fez um rally nas cidades de Diadema, Mauá e São Caetano, para ajudar os candidatos petistas no segundo turno. É uma região estratégica para o partido, a começar por São Bernardo do Campo, domicílio eleitoral do presidente.
Em Diadema, Taka Yamaguchi (MDB) obteve 47%, contra 45% do atual prefeito José de Fillippi Júnior (PT), que foi tesoureiro da campanha de Lula em 2006 — voltou ao poder depois de 12 anos e agora tenta se reeleger. Depois de Diadema, Lula foi para Mauá, também na Região Metropolitana de São Paulo, participar de comício do prefeito Marcelo Oliveira (PT), candidato à reeleição, que está em melhor situação. Obteve 45% dos votos contra Átila Jacomussi (União Brasil), em segundo lugar, com 35% dos votos.
Em São Bernardo do Campo, cidade que foi o epicentro do movimento sindical liderado por Lula, o candidato do partido, Luiz Fernando Teixeira (PT), com 23% dos votos, amargou o terceiro lugar no primeiro turno. A disputa é entre Marcelo Lima (Podemos), com 49% de intenções de votos, e Alex Manente (Cidadania), com 39%, segundo pesquisa Real Data da TV Record.
É uma disputa feroz. Lima está proibido de entrar na Prefeitura por decisão judicial. É acusado por Manente de supostas ligações com políticos apoiados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), cada vez mais infiltrado nas prefeituras da região.
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