“A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer”
Campanhas de massas têm o condão de despertar a paixão dos eleitores, agora numa escala inédita, por causa da tevê, do rádio e das redes sociais. Quando a retórica dos candidatos se radicaliza, mais cedo ou mais tarde, isso se traduz em ações violentas, que atentam contra as regras do jogo democrático. Foi o que aconteceu ontem em Juiz de Fora (MG) com o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, que foi esfaqueado na barriga durante uma caminhada no centro da cidade.
Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, confessou o crime, segundo a PM. Natural de Montes Claros, no Norte de Minas Gerais, foi preso em flagrante e disse à polícia que atacou Bolsonaro “a mando de Deus”, por ter divergências de ideias e pensamentos com ele. A Polícia Federal investiga o criminoso, que já foi filiado ao PSol entre 2007 e 2014. O partido repudiou o atentado, assim como todos os candidatos a presidente da República e as autoridades do país, entre as quais o presidente Michel Temer e a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber.
Segundo a PF e a PM, havia agentes de segurança no momento do episódio, mas a situação ficou fora de controle: Bolsonaro estava sobre os ombros de um correligionário e buscava contato direto com seus eleitores. A primeira reação ao episódio nas redes sociais foi muito ruim: mais radicalização de partidários e adversários de Bolsonaro. Dizia-se que o atentado foi obra da esquerda, de um lado, e que tudo não passava de uma encenação da direita, de outro. As primeiras versões eram todas para pôr mais lenha na fogueira da radicalização.
Bolsonaro foi ferido gravemente, sendo obrigado a sofrer uma colostomia, procedimento que conecta o intestino delgado para uma bolsa fora do corpo, evitando que as fezes passem pelo intestino grosso e possam causar uma infecção no local onde os médicos suturaram a perfuração. A perfuração provocou múltiplas lesões internas, sua recuperação será lenta, mesmo que tudo corra bem com a cirurgia. O episódio vai prejudicar a campanha dele do ponto de vista físico, mas, eleitoralmente, ainda é uma grande incógnita.
Com a saída de Lula da disputa eleitoral, Bolsonaro subiu mais dois pontos. As próximas pesquisas dirão qual será a repercussão do episódio. Na pesquisa do Ibope divulgada na quarta-feira, estava com 22% de intenções votos, contra Marina (Rede) e Ciro (PDT), com 12%; Alckmin, com 9%; e Haddad, com 6%, para citar os que disputam uma vaga no segundo turno. O episódio teve ampla repercussão internacional e acirrou o clima eleitoral, da pior maneira possível. Apesar dos apelos dos demais candidatos e das autoridades, ninguém garante que o clima de radicalização venha a se distender. O “nós contra eles” é recíproco, até porque isso beneficia os interessados na radicalização.
A não aceitação do outro como alternativa de poder é o sentimento que alimenta a radicalização, queiramos ou não. Em circunstâncias normais, faz parte da disputa pelo poder; num ambiente que degenera em violência e atentados à vida, passa a ser uma ameaça ao processo democrático. A regra de ouro da eleição é “quem ganhar, leva”. Não existe outra opção que não seja a aceitação da alternância de poder e o respeito à decisão popular, qualquer que seja. A radicalização e o ódio semeados até agora na disputa eleitoral são o caldo de cultura para que o pior possa acontecer.
Efeito imprevisível
O líder socialista francês Jean Jaurès era um pacifista, apostava na diplomacia para evitar a Primeira Guerra Mundial. Acabou assassinado em um café de Paris, em 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um jovem nacionalista francês que desejava a guerra com a Alemanha. Era uma das vozes que tentavam circunscrever o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, e sua esposa em 28 de junho de 1914, ao conflito entre a Sérvia e a Áustria. O arquiduque e sua esposa foram mortos a tiros em Sarajevo, capital da Bósnia, por um estudante nacionalista sérvio.
A Áustria apresentou um ultimato à Sérvia e exigiu uma resposta humilhante dentro de 48 horas. Era aliada da Alemanha, que também declarou guerra à Sérvia, que era aliada da Rússia, que, por sua vez, era aliada da França e da Inglaterra, que também entraram na guerra. Desde 1871, as potências europeias estavam em paz, mas se preparavam para a I Guerra Mundial (1914-1918), que mobilizou mais de 70 milhões de militares, incluindo 60 milhões de europeus. Nove milhões de combatentes foram mortos. Ou seja, um ato individual num ambiente conturbado pode ter efeitos inimagináveis.
As eleições estão sendo polarizadas por candidatos que ideologicamente se prepararam para as eleições como se fossem para uma guerra, esse é o problema. A disputa eleitoral precisa se dar em outros termos, menos belicosos. Não será com declarações de boas intenções que esse clima será revertido, é preciso mudar o discurso de campanha. É improvável que isso ocorra. Se antes era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja candidatura a presidente da República foi impugnada, que se passava por vítima de uma suposta armação política, agora Bolsonaro foi vítima de um atentado real à sua vida. Tudo indica que o criminoso era um tresloucado, numa ação individual, mas o fato perturba ainda mais o processo eleitoral e mexe com a emoção dos eleitores. A violência nas eleições precisa ser contida, para o bem da democracia, que também foi esfaqueada.