A Câmara costumar purgar seus pecados degolando um dos seus, principalmente em época de eleições
Com os dias contados, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha(PMDB-RJ) está no corredor da morte, com data marcada para ser guilhotinado pelos próprios pares da Câmara: 12 de setembro, uma segunda-feira. Ele é um daqueles personagens que irrompem na política como uma força da natureza, mas acabam sendo tragados pelo turbilhão das crises que possibilitaram sua emergência. Não é um político longevo como foi, por exemplo, Joseph Fouché, tão bem retratado por Stefan Zweig — o autor de Brasil, país do futuro —, que atravessou incólume a Revolução Francesa e a Era Napoleônica, períodos mais conturbados da história da França.
Ao marcar o dia da votação do pedido de cassação de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desagradou aos defensores da cassação do mandato do peemedebista e os aliados do parlamentar. Os primeiros gostariam que a votação fosse realizada nesta semana; os segundos, que fosse empurrada com a barriga ad eternum. A decisão foi uma saída salomônica, pois temia-se que a votação antes da conclusão do impeachment fosse um elemento para desorganizar a base do governo no Senado, o que é um falso argumento. O que se teme mesmo é que o parlamentar chute o pau da barraca e detone os aliados caso venha a ser cassado. Ou seja, que vire um camicaze na crise ética.
Cunha entrará para a história como o presidente da Câmara que abriu o processo de cassação da presidente afastada, Dilma Rousseff. Esse feito é dele e ninguém tasca. A decisão foi tomada após negociações frustradas com o Palácio do Planalto para barrar seu pedido de cassação no Conselho de Ética, o que exigiria os votos do PT. A “capivara” de Cunha na Lava-Jato já é grande o suficiente para uma condenação pesada, mas a acusação que há contra ele na Câmara é mentir ao depor na CPI da Petrobras. Político hábil e decidido, foi traído pela autoconfiança e atravessou a rua para escorregar numa casca de banana. Ofereceu-se espontaneamente para depor e foi questionado sobre a existência de contas na Suíça em seu nome. Negou, categoricamente, mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se encarregou depois de provar o contrário e ainda revelou a existência de contas da mulher e da filha do deputado.
O Palácio do Planalto tentou se aproveitar do desgaste de Cunha e da dificuldade da oposição se aliar a ele para votar o impeachment. O advogado de Dilma no Senado, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, chegou a dizer que a aprovação do afastamento da presidente da República foi uma “vingança” do presidente da Câmara por não ter concretizado o aval do PT à absolvição no Conselho de Ética. Como se sabe, esse apoio chegou a ser negociado pelo ex-ministro da Casa Civil Jaques Wagner, a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o presidente do PT, Rui Falcão, sem medir as consequências de sua atitude, detonou o acordo. Os representantes do PT no Conselho de Ética até estavam dispostos ao sacrifício, mas a maioria da bancada era contra jogar a boia da salvação para Cunha.
Guilhotina
O argumento de Cardozo é falacioso. O impeachment foi aprovado na Câmara por amplíssima maioria: 367 votos favoráveis e 137 contrários, com nove ausências e abstenções. Esse resultado somente foi possível porque havia amplo apoio popular ao afastamento de Dilma, demonstrado por meio de pesquisas de opinião e, principalmente, das maciças manifestações a favor do impeachment. Passada a votação, porém, Cunha virou a bola da vez. Fez todas as manobras regimentais possíveis e imagináveis para barrar o processo, até que acabou afastado do cargo de presidente da Câmara e do exercício do mandato por uma decisão especial do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi sucedido pelo vice, Waldir Maranhão (PP-MA), seu aliado, que se revelou um trapalhão no exercício da função. Tantas fez que as pressões para que Cunha renunciasse ao cargo e houvesse a convocação de uma nova eleição para a Presidência da Câmara se generalizaram. O que aconteceu depois foi uma zebra: a antiga oposição lançou o nome de Maia, que acabou derrotando Rogério Rosso (PSD-DF), o candidato apoiado pelo grupo de Cunha.
Um dos compromissos de campanha de Maia é pôr em votação o quanto antes a cassação de Cunha. Ele optou por não fazê-lo em agosto, o mês mais aziago da política brasileira, para evitar o período de realização das Olimpíadas do Rio, que tiram o foco da opinião pública, e esperar o julgamento de Dilma Rousseff no Senado, que deve ocorrer até o fim de agosto. A data também está sendo prevista para uma viagem do presidente em exercício, Michel Temer, aos Estados Unidos, caso ele seja efetivado no cargo com a cassação de Dilma. Apesar do barulho dos que acham que isso é uma procrastinação, Maia não tem como voltar atrás na data sem se desmoralizar politicamente. O fato de ser uma segunda-feira, porém, levanta dúvidas sobre o quórum, mas a cassação de Cunha é o objeto de desejo de gregos e baianos. E a Câmara costumar purgar seus pecados degolando um dos seus, principalmente em época de eleições. Para se ter uma ideia, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas (ex-PT do Paraná), que hoje está preso, foi cassado por 359 votos — eram necessários 257. Seis deputados se abstiveram e apenas um petista votou contra a cassação.