No Congresso, movimentam-se o governo, acusado pelos bolsonaristas de ter facilitado a invasão dos Três Poderes, e a oposição, para ocupar posições estratégicas na CPMI e fazer muito barulho
O depoimento de ontem do ex-presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre uma postagem no Facebook, na qual questionava a lisura das eleições, mostra que o ex-chefe do Executivo piscou ao ser intimado a depor no inquérito que investiga os responsáveis pela ocupação do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Sua superexposição será inevitável durante o funcionamento da CPMI do 8 de janeiro, que foi oficializada ontem pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Ao depor, Bolsonaro disse que publicou o comentário por engano, ao repassar para uma rede social um vídeo que questionava a lisura das urnas eletrônicas. Alegou que estaria sob efeito de medicamentos quando fez a postagem, por ter sido hospitalizado. “Esse vídeo foi postado na página do presidente do Facebook quando ele tentava transmiti-lo para o seu arquivo de WhatsApp para assisti-lo posteriormente”, disse o advogado Paulo Cunha Bueno, na saída da sede da Polícia Federal. Entre 8 e 10 de janeiro, Bolsonaro esteve hospitalizado em Orlando, em razão de uma obstrução intestinal, sendo submetido a tratamento com morfina. Ou seja, estava involuntariamente drogado.
Bolsonaro teme seu indiciamento no inquérito da Polícia Federal que investiga a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, sob jurisdição do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que poderia resultar numa condenação e inelegibilidade. Bolsonaro, segundo disse o advogado, estaria à disposição da CPMI para depor sobre o 8 de janeiro. Dependendo da composição da comissão, porém, sua situação pode ficar ainda mais enrolada, embora seja um palco de volta à cena política e recuperação plena da sua liderança na oposição ao governo Lula.
No Congresso, movimentam-se o governo, acusado pelos bolsonaristas de ter facilitado a invasão dos Três Poderes, e a oposição, para ocupar posições estratégicas na CPMI e fazer muito barulho. Uma disputa entre o senador Renan Calheiros (MDB-AL) e o presidente Câmara, Arthur Lira (PP-AL), complica a vida do governo. Governista de primeira hora, Renan quer ser o relator da CPMI, mas isso descontenta Lira, de cujo apoio Lula depende para aprovar qualquer matéria no parlamento.
Ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira, tem preferência pelo líder da sua bancada na Câmara, André Fufuca (MA). Está afinado com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, na articulação do bloco de oposição ao governo no Congresso. Lira manteve sua hegemonia no Centrão com o superbloco que formou na Câmara, mas sua liderança no PP é compartilhada com Ciro. Eduardo Bolsonaro, na prática, lidera a ruidosa bancada do PL.
Disputa de espaços
O governo deve indicar 11 dos 16 senadores, entre os quais o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP); Omar Aziz (PSD-AM); Humberto Costa (PT-PE); e Renan Calheiros, que pontificaram na CPI da Covid. O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), passa um dobrado para conseguir a indicação dos deputados governistas, porque quem garante maioria para o Executivo alcançar seus objetivos é Lira. Sem apoio do presidente da Câmara, o governo se fragilizaria, embora pretenda escalar deputados bons de briga, como Lindbergh Farias (PT-RJ), Rogério Correia (PT-MG), André Janones (Avante-MG) e Aliel Machado (PV-PR).
Bolsonaro tem uma tropa de choque pronta para defendê-lo na CPMI: os deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Nikolas Ferreira (PL-MG), Delegado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e André Fernandes (PL-CE), e os senadores Magno Malta (PL-ES), Jorge Seif (PL-SC) e Rogério Marinho (PL-RN). O líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ), em publicação nas redes, antecipou a linha de atuação dos bolsonaristas: “Lula, Flávio Dino (ministro da Justiça) e G. Dias (Gonçalves Dias, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) tentaram se eximir de qualquer culpa pelo 8 de janeiro, mas a proteção dos órgãos federais era da competência deles, e se omitiram e contribuíram para que a tragédia ocorresse. Agora, as câmeras não deixam dúvida. Foram os mentores intelectuais”.
A comissão terá seis meses de duração, ou seja, deve funcionar até outubro. Como a questão democrática ocupa a centralidade da disputa política, a CPMI deve roubar a cena em muitos momentos do Congresso. Ou seja, ofuscará a discussão de medidas muito importantes, como a regulamentação das big techs, conhecida como PL das Fake News; a aprovação do novo “arcabouço fiscal”, cujo ponto fraco é o aumento de arrecadação; e a reforma tributária, grande aposta do governo para a retomada do crescimento de forma sustentável.
O governo quer ocupar 21 das 32 cadeiras do CPMI, sendo 11 no Senado Federal e 10 na Câmara dos Deputados. Para identificar os autores intelectuais dos ataques golpistas e responsabilizar Bolsonaro; apontar omissões de agentes públicos durante a movimentação de pessoas para o acampamento em frente ao QG do Exército e depois para a Praça dos Três Poderes; alcançar os financiadores dos atos golpistas e os responsáveis pela logística do acampamento e pelo transporte de bolsonaristas para Brasília; individualizar a conduta dos envolvidos na depredação dos palácios. Para isso, conta com o apoio do presidente da CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal, deputado Chico Vigilante (PT), que já tem muita informação sobre mandantes e financiadores.