Nas entrelinhas: Como envelhecer mais rápido

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“Bolsonaro protagoniza polêmicas nas quais o governo não tem a menor chance de sair ganhando. Transforma em gigantes adversários que combatiam à sombra”

Com apenas nove meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro deixa a sensação de que seu governo envelhece muito rápido. Na política, percepção é decisiva para quase tudo, sendo absoluta para a construção da imagem. O governo começa a dar um cansaço na sociedade por causa de decisões intempestivas e polêmicas, motivadas por razões ideológicas de cunho ultraconservador e religioso, sem que os resultados apregoados para a economia aconteçam no tempo que os eleitores esperavam. Já não estamos falando dos 100 dias de governo, estamos nos aproximando do fim do ano. Os setores em mais evidência na Esplanada são os que colecionam problemas; os mais focados nos resultados trabalham em silêncio obsequioso.

Bolsonaro tem culpa nesse cartório, porque protagoniza polêmicas nas quais o governo não tem a menor chance de sair ganhando. Transforma em gigantes adversários que combatiam à sombra, como o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, no caso da morte do pai, Fernando Santa Cruz, durante o regime militar, e o quase nonagenário cacique caiapó Raoni, que virou do dia para a noite um forte candidato ao Nobel da Paz. Sua implicância preconceituosa com artistas, ambientalistas, ativistas dos direitos humanos, jornalistas e gays não acrescenta absolutamente nada ao desempenho positivo de seu governo, somente aumenta a fricção com setores que formam opinião pública na velha e nas novas mídias.

Nicolau Maquiavel já dizia que o sucesso do príncipe depende da virtù e da fortuna. Quando a fortuna muda, certas virtudes viram defeitos que podem até ser fatais. Indiscutivelmente, Bolsonaro é um homem bafejado pela sorte, sua própria sobrevivência à facada em Juiz de Fora na campanha eleitoral serve de exemplo. Além de milagroso (Bolsonaro acredita nisso piamente), o episódio foi decisivo para que o “mito” se tornasse imbatível na eleição. Nesse quesito, portanto, não há adversidade. Exemplo de ambiente favorável ao governo é a blindagem patrocinada pelo Congresso ao ministro da Economia, Paulo Guedes, entre outras coisas, com a aprovação da reforma da Previdência, que deve ser concluída neste mês.

O problema é a virtù mesmo. Em certa passagem das Mil e Uma Noites, o vizir diz à filha Xerazade: “Aquele que não prevê as consequências dos seus atos não pode conservar os favores do século”. É aí que mora o perigo para Bolsonaro. Seu problema não é a oposição, ainda que sua retórica procure manter a polarização com a esquerda tradicional e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em Curitiba, por considerar a estratégia eleitoral mais segura para a reeleição. Exemplo: a política ambiental, na qual o governo corre atrás dos prejuízos e continuará correndo por um bom tempo. Agora, sua política indigenista agride o grande legado do marechal Cândido Rondon, dos irmãos Villas Boas e de Darcy Ribeiro, entre outros. E pode reverter o crescimento da população indígena no Brasil, que é a medida do sucesso da estratégia de demarcação de suas terras.

Desigualdades

Nesse rumo, é previsível o aumento de casos de suicídios, mortes por doenças e assassinatos de líderes indígenas em conflitos violentos com madeireiros e garimpeiros. Se isso de fato ocorrer, aliado à redução da população indígena, estará caracterizado um genocídio. Bolsonaro subestima a repercussão internacional que isso pode ter, assim como o papel do índio na formação da identidade nacional. Não se dá conta de que todo brasileiro fala a língua dos índios, na nossa culinária, na toponímia e até mesmo no hábito de tomar dois ou mais banhos por dia. No Brasil, as famílias miscigenadas são a maioria, raras não têm o arquétipo de uma “tataravó” índia que pitava no quintal e fazia beiju.

Mas o ponto mais fraco de Bolsonaro ainda é a economia. Herdou 13 milhões de desempregados e uma curva ascendente de desigualdade, na qual apenas 2,7% das famílias acumularam 20% do total da renda entre os anos de 2017 e 2018, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na sexta-feira. As famílias brasileiras tiveram uma renda média de R$ 5.426,70, porém, 23,9% delas viviam com um orçamento mensal de até dois salários mínimos. Esse percentual corresponde a um contingente com cerca de 44,8 milhões de pessoas em 16,5 milhões de famílias. Por possuírem os mais baixos valores recebidos, representam apenas 5,5% da renda nacional, ainda que as transferências governamentais respondam por 19,5% do total de renda do brasileiro.

Focada no equilíbrio fiscal, na desregulamentação do trabalho e na simplificação tributária, a política econômica de Bolsonaro aposta no mercado para enfrentar os problemas do trabalho e da renda, sem se dar conta de que o “tatcherismo” se esgotou e agravou a desigualdade no mundo. O melhor exemplo é a Inglaterra, país desenvolvido, cuja renda média está abaixo dos indicadores da União Europeia, que ainda tem regiões de médio ou baixo desenvolvimento. No seu livro Desigualdade, o que pode ser feito?, o economista britânico Anthony B. Atkinson mostra que é impossível combater a desigualdade sem a intervenção do governo e a mobilização da sociedade, isto é, poupadores, investidores, trabalhadores e empregadores. Acontece que o envelhecimento precoce do governo abriu esse debate e antecipou a principal agenda eleitoral de 2022, ao lado da defesa da democracia.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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