Nas entrelinhas: Começa o julgamento de Bolsonaro por crime eleitoral

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O relatório de Benedito Gonçalves foi duríssimo: pediu a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e de Walter Braga Netto por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação

A batata do ex-presidente Jair Bolsonaro está assando, ou melhor, seus direitos políticos. Nesta quinta-feira, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou o seu julgamento. O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, defendeu a cassação de seus direitos políticos na primeira sessão do julgamento, com base na conduta do então chefe de Estado numa reunião com embaixadores, convocada para denunciar o risco de fraude eleitoral nas eleições presidenciais do ano passado, sem apresentar quaisquer provas.

Na ocasião, o PDT acionou o TSE contra o então presidente da República, mas o julgamento somente agora está sendo realizado. Gonet acusa Bolsonaro de desvio de finalidade e busca de vantagem na disputa eleitoral de 2022, o que são crimes eleitorais previstos na lei. Para o vice-procurador, sua fala não estava protegida pela liberdade de expressão, como alega a defesa. O julgamento foi interrompido e deve ser concluído até quinta-feira, se ninguém pedir vista do processo. Também falaram o advogado do PDT, Walber Agra, e o advogado de Bolsonaro e do seu vice Braga Netto, Tarcísio Vieira de Carvalho.

Agra elencou os crimes eleitorais: abuso de poder político, com uso de estrutura da administração pública, e do uso de meio de comunicação na reunião. “Será que vamos entrar novamente em estágio de cegueira coletiva? Houve reunião para desmoralizar as instituições. Constrangeu servidores, usou TV Brasil, usou propaganda institucional para propagar fake news. Utilizou-se avião da FAB, ataques sistêmicos à democracia e principalmente aos ministros. Veja que cena triste. E tentativa de um golpe militar. Se fosse qualquer mandatário estaríamos aqui discutindo o conteúdo da reunião.”

Carvalho tentou mitigar as acusações, com o argumento de que a discussão do sistema eletrônico de votação não pode ser considerado um tabu na democracia e que a reunião foi um evento diplomático. Bolsonaro teria apenas proposto um debate público para aprimorar o sistema, porém teria usado um tom inadequado. Além disso, o evento não ocorreu durante a campanha eleitoral. Também sustentou que a minuta do golpe apreendida pela Polícia Federal na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres não poderia ser juntada aos autos como prova.

Nos bastidores do julgamento, sabe-se que os argumentos da defesa de Bolsonaro não terão acolhida junto a quatro dos sete ministros do TSE: Alexandre de Moraes, presidente da Corte; Cármen Lúcia, vice-presidente, ambos do Supremo; e os ministros do STJ Raul Araújo Filho e Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator do caso. O ministro do STF Kássio Nunes Marques e os juristas André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques Filho, ainda são as incertezas, sobretudo Kássio Nunes, que pode pedir vista do processo.

Herdeiros de Bolsonaro

O relatório de Benedito Gonçalves foi duríssimo: pediu a inelegibilidade de Jair Bolsonaro e de Walter Braga Netto por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Com a suspensão do julgamento, serão intensificadas as conversas entre os membros da Corte e há previsões otimistas de um placar de 6 a 1. De qualquer forma, é dada como certa a condenação, o que já provoca movimentação política e gera novas expectativas em relação ao quadro eleitoral de 2026.

Muitos avaliam que Lula teria caminho livre para sua reeleição com Bolsonaro fora da disputa. Outros que o fim da ameaça bolsonarista isolaria a extrema direita do país e abriria espaço para a chamada “terceira via”, caso o governo tropece nas próprias pernas. O problema é que os nomes mais competitivos nesse campo estão participando do governo: o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio; Simone Tebet (MDB), ministra do Planejamento; e Marina Silva (Rede), ministra do Meio Ambiente. Somente o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e o ex-governador paulista João Doria (sem partido), que se dedica às suas atividades empresariais, estão de fora.

Em contrapartida, pululam possíveis candidatos mais à direita, de olho nos eleitores órfãos de Bolsonaro: os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (PR); de Minas, Romeu Zema (Novo); e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); os senadores Hamilton Mourão (PR-RS) e Sergio Moro (Podemos-PR). O problema é combinar com o ex-presidente da República, que precisa administrar as ambições familiares: Michelle Bolsonaro (PL) seria uma candidata fortíssima; ninguém é mais audacioso e sintonizado com a narrativa de Bolsonaro, da qual foi mentor nas redes sociais, do que o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PR), filho do ex-presidente e a mais perfeita síntese do bolsonarista raiz.

É uma situação curiosa, porque Tarcísio, Mourão e Carlos estão no PR e não no PL, o partido de Bolsonaro. Presidente da legenda, Valdemar Costa Netto não consegue disfarçar sua preferência por Michelle Bolsonaro como herdeira do espólio do marido. Outra contradição é a situação de Tarcísio de Freitas, considerado o melhor nome para suceder a Bolsonaro pela elite empresarial paulista, porém sem o apoio dos políticos para abandonar o Palácio dos Bandeirantes em vez de concorrer à reeleição, a começar pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, que acha mais prudente o atual governador disputar o segundo mandato no cargo e não repetir o caso Doria.