Nas Entrelinhas: Com punhos de renda

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Pau de dá em Chico, dá em Francisco. Ou seja, o governo provisório de Michel Temer está diante das mesmas contingências que levaram à queda de Dilma Rousseff

O método mais adequado para destrinchar problemas complexos é desagregá-los em equações simples e resolvê-las uma de cada vez. Isso serve para a política, inclusive para esse período de transição entre o afastamento da presidente Dilma Rousseff e seu impeachment definitivo, que pode ocorrer ou não, dependendo do sucesso do governo provisório formado pelo presidente em exercício, Michel Temer.
Para isso, podemos recorrer à distinção entre a política dos políticos, a da tecnoburocracia e a dos cidadãos, divisão adotada pelo cientista político Marco Aurélio Nogueira, em seu excelente livro Em defesa da política (Senac) aqui abordada livremente. Digamos que a queda de Dilma Rousseff resulta de um triplo fracasso nessas frentes.

Somente na democracia um governo poderia ser derrubado como foi o de Dilma Rousseff, cujo sistema de poder, ao se exaurir, revelou baixíssima capacidade de mobilização popular, base parlamentar inexpressiva e nenhuma sustentação em nível institucional. A narrativa do golpe de Estado não tem a menor consistência legal, uma vez que, no Brasil, o impeachment é o dispositivo constitucional para remover um presidente eleito e pôr em seu lugar o vice eleito na mesma chapa, pelos mesmos eleitores.
Digamos que Dilma fracassou na política dos políticos porque não levou a sério sua aliança principal em nível eleitoral, alijando do centro das decisões de governo o PMDB, um aliado que era maior e mais influente tanto no Parlamento, como na Federação, seja em número de governadores e prefeitos, seja nos legislativos estaduais e municipais. Em determinados momentos, seu próprio partido, o PT, se sentiu alijado do centro das decisões, a começar pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva, seu padrinho político e principal cabo eleitoral.

O colapso do governo Dilma pode ser atribuído também ao fracasso no âmbito da governança administrativa, na qual os efeitos colaterais do modelo de capitalismo de Estado na economia e do populismo, nas políticas sociais e certas decisões econômicas, levaram o país ao maior descalabro da história recente. Não faltaram advertências dos técnicos da alta burocracia federal. E ainda foi preciso a reação dos órgãos de controle do Estado, principalmente do Ministério Público, Polícia Federal e Receita Federal, para que o assalto aos cofres públicos fosse contido.

Finalmente, a catástrofe na política dos cidadãos. A cooptação dos movimentos sociais e aparelhamento de suas entidades e instâncias de participação popular resultaram num tiro pela culatra, no qual a ideia de uma “democracia ampliada”, que incorporasse os cidadãos às decisões, foi inteiramente desvirtuada. Na prática, foram as redes sociais que serviram de canais de expressão para a sociedade, e através delas, à margem dos partidos, o governo acabou sitiado pelos cidadãos, em sucessivas manifestações de caráter nacional. Sem essas mobilizações, a política dos políticos não teria invertido sua direção.

Há que se considerar, porém, que pau de dá em Chico, dá em Francisco. Ou seja, o governo provisório de Michel Temer está diante das mesmas contingências que levaram à queda de Dilma Rousseff. A diferença é que a política dos políticos deslocou o PT do centro de poder e pôs em seu lugar o PMDB. Não foi a oposição que chegou à Presidência, embora tenha sido a força que traduziu o desejo de mudança expresso pelas ruas, ou seja, pela política dos cidadãos, no pedido de impeachment. A oposição apoia e participa do governo Temer como consequência de seus atos, mas é coadjuvante, a hegemonia é dos peemedebistas e antigos aliados do PT.

Por isso mesmo, há muitas incógnitas quanto ao futuro. Seja porque sua política econômica não pode errar a mão e agravar as condições de vida da população, já muito difíceis, seja por causa de envolvimento de alguns integrantes do governo em escândalos, principalmente os investigados pela Operação Lava Jato.

Michel Temer chegou ao poder com punhos de renda. Uma das dificuldades da narrativa do golpe, um discurso ideológico sem base constitucional, é o fato de que a transição de um governo para outro foi feita pelo Congresso, com base legal, pacificamente, sem qualquer interferência dos militares ou potências estrangeiras, às claras, com transmissão ao vivo e em cores das sessões do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Mantê-lo exigirá uma ampla base parlamentar. Será preciso, porém, resgatar a confiança da alta burocracia federal, o que significa subordinar as convicções à legitimidade dos meios de exercício de poder, e se esforçar para conquistar a simpatia popular, o que é a parte mais difícil num ambiente desemprego, inflação, juros altos e recessão, além de ojeriza quase generalizada da sociedade aos políticos.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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