Nas entrelinhas: Coalizão contra a Lava-Jato

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Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu

A ampla coalizão formada contra a Operação Lava-Jato passou à ofensiva para sepultar as investigações e liquidar com o instituto das delações premiadas, em um momento crucial para a faxina ética que a política brasileira merece e a sociedade deseja. O ponto de inflexão é a conversa entre o empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS,  com diálogos escabrosos, na qual fica evidente o jogo duplo do ex-procurador Marcelo Miller e a intenção de se chegar aos ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio da frustrada contratação do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que não se prestou a tal papel.

Os diálogos puseram em xeque a legalidade da gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, em um encontro fora da agenda, no subsolo do Palácio do Jaburu, que serviu de base para a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente, rejeitada pela Câmara. Deduz-se que Joesley foi instruído por Miller quando ainda era procurador federal, o que seria motivo para anulação da prova, como pleiteia a defesa de Temer. Esse questionamento sempre houve, até quanto ao fato de o processo ter ido parar nas mãos do ministro relator da Lava-Jato, Edson Fachin. Mas agora tornou-se mais robusto e Temer, que não bate prego sem estopa, quer anular a denúncia.

A primeira reação do procurador-geral, que corre o risco de encerrar o mandato como um grande trapalhão, foi de absoluta perplexidade. Mas o fato de ter dado amplo conhecimento à gravação e encaminhado o assunto imediatamente ao Supremo Tribunal Federal (STF) fez com que o caso passasse a ser tratado com base no devido processo legal. Como se sabe, o grande questionamento a Janot vem dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato e seus advogados, que denunciam excessos do Ministério Público Federal e chamam de vazias as denúncias. Entretanto, pau que dá em Chico dá em Francisco, o devido processo legal é o leito mais seguro para a continuidade da Lava-Jato e não para a sua transformação numa pizza à napolitana. O STF não é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer foi rejeitado pela maioria da Corte, apesar do “excesso de provas”, para não atrapalhar a economia.

Narrativas

Em tempos de narrativas e pós-verdade, as provas são teimosas. Nesta semana, por exemplo, assistimos à apreensão de uma montanha de dinheiro — mais de R$ 51 milhões — em um apartamento utilizado pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, que cumpria prisão domiciliar sem tornozeleira eletrônica em Salvador e acaba de voltar pra cadeia. De onde veio tanto dinheiro, qual seria sua destinação? O político baiano fazia parte do núcleo duro do governo Temer, ao lado dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Não dá para acreditar que aquela dinheirama toda tenha a ver apenas com sua passagem pelos governos Lula e Dilma.

Assim como a apreensão das malas de Geddel, o depoimento do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci foi devastador. Homem de confiança do ex-presidente Lula, um dos artífices da vitória de Dilma Rousseff em 2010, Palocci foi o primeiro integrante da elite petista a entregar o ouro. José Dirceu e João Vaccari Neto aguentaram o tranco. O ex-ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil de Dilma fez revelações que corroboram a delação premiada de Emílio e Marcelo Odebrecht. Segundo ele, Lula não só sabia do esquema de propina, como também a recebeu. A diferença de Palocci para Joesley é que negocia com os procuradores de Curitiba, sob a égide do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, que vem sendo mais cauteloso do que Janot na condução do processo da Lava-Jato.

E a coalizão? As forças interessadas em sufocar as investigações e manter o status quo da política brasileira, infelizmente, são dominantes no Congresso, tanto no campo governista como na oposição. São lideradas pelos políticos enrolados na Lava-Jato, que passaram à ofensiva na medida em que Janot tropeçou nas próprias pernas. Mas são forças minoritárias na sociedade, que aguarda as eleições de 2018. É nelas que haverá um grande ajuste de contas. É ilusão achar que a recuperação da economia os absolverá da crise ética, assim como o milagre econômico não absolveu a ditadura militar nas eleições de 1974, 1978 e 1982.

Ontem, o dia da pátria, foi emblemático quanto a isso. No desfile de 7 de Setembro, blindado pelo esquema de segurança do Palácio do Planalto e para uma plateia de funcionários públicos e familiares dos militares, o presidente Temer assistiu ao desfile sem ser vaiado, mas também não foi aplaudido. As palmas foram destinadas à Polícia Federal, à tropa de choque da Polícia Militar e aos ex-pracinhas e veteranos das Forças Armadas. Não deixa de ser um recado. Durante o feriado, Joesley, Saud e o executivo Francisco de Assis foram interrogados no Ministério Público Federal para prestar esclarecimentos sobre os diálogos da gravação; hoje é a vez de Miller. Não será surpresa se Janot pedir a anulação dos benefícios da delação premiada da JBS e a prisão preventiva dos quatro ao Supremo, que cobra do MPF explicações cabais sobre a atuação de cada um dos envolvidos no caso.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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