Nas entrelinhas: Cessar-fogo para resgate de crianças em Gaza depende de Biden

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Nos bastidores, o Itamaraty negocia com o Egito a abertura de um corredor humanitário para saída de refugiados e um acordo com o Hamas para retirar os brasileiros de Gaza

O Brasil convocou uma nova reunião do Conselho de Segurança da ONU, esta quinta-feira, para tratar da crise humanitária na Faixa de Gaza, submetida a intensos bombardeios do Exército de Israel, em razão do ataque terrorista do Hamas, que controla a região, ao território israelense, no sábado passado — com centenas de israelenses mortos e milhares de feridos, além de 150 reféns sequestrados para o território palestino, alguns dos quais brasileiros.

Nesta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e à comunidade internacional, em defesa das crianças palestinas e israelenses. “Lancemos mão de todos os recursos para pôr fim à mais grave violação aos direitos humanos no conflito no Oriente Médio”, escreveu no X (antigo Twitter).

Para Lula, são urgentes uma intervenção humanitária internacional e, também, o cessar fogo. Segundo o presidente, o Hamas precisa libertar as crianças israelenses sequestradas de suas famílias. Também é necessário que Israel cesse o bombardeio na Faixa de Gaza, para que as crianças palestinas e as mães delas deixem a área de conflito pela fronteira com o Egito. O problema é que o Brasil não tem um aliado de peso disposto a bancar essa posição.

Enquanto Lula e o presidente da ONU, o português Antônio Guterres, pregam um cessar-fogo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, apoia sem quaisquer restrições a retaliação de Israel ao Hamas em Gaza. Mesmo que o preço seja uma crise humanitária que pode provocar o deslocamento de mais de um milhão de pessoas da Palestina.

As imagens dos bombardeios mostram um cenário de destruição em larga escala, com intensos bombardeios, ainda que o Hamas continue lançando seus foguetes de Gaza. A posição de Lula, inclusive, está sendo atacada por Israel, cujo embaixador no Brasil, Daniel Zonshine, reuniu-se com parlamentares brasileiros e pediu que pressionem o presidente a considerar o Hamas uma organização terrorista. Segundo ele, as declarações de Lula são “brandas demais”.

Nos bastidores, o Itamaraty negocia com o Egito para que permita a abertura de um corredor humanitário para saída de refugiados. Tenta, também, um acordo com o Hamas para retirar os brasileiros que estão em Gaza, dos quais sete famílias, com 50 pessoas, já contataram o Itamaraty.

O governo agiu com rapidez e sucesso para organizar a ponte aérea que resgata os brasileiros que estão em Israel. Alguns, com dupla nacionalidade, não somente não podem voltar, como estão sendo convocados pelo Exército para guerra, inclusive os reservistas que moram aqui.

Projeção de poder

Do ponto de vista geopolítico, a posição de Lula segue a tradição do Itamaraty e está em linha com a política da ONU, mas os EUA e Israel não estão nem aí para o Conselho de Segurança. Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes atuam nos bastidores para um cessar fogo, mas também são tão impotentes quanto qualquer outro país árabe. O Irã apoia o Hamas e é contra a existência de Israel. China e Rússia não querem se meter em confusão. É uma situação muito difícil.

Para se ter uma ideia do desequilíbrio geopolítico, os EUA enviaram seu mais moderno porta-aviões, o “Gerald R. Ford”, um cruzador e quatro navios antimísseis para a costa de Gaza, com objetivo de proteger Israel e inibir um eventual ataque do Hezbollah (muito mais poderoso do que o Hamas) na fronteira com o Líbano, o que seria uma nova escalada do conflito patrocinado pelo Irã. O Brasil não tem a menor condição de enviar para a região o navio aeródromo multiuso NAN “Atlântico” (A-140) para levar ajuda humanitária e/ou resgatar os brasileiros que tentam sair de Israel.

Nau Capitânia da Esquadra, atracada no Rio de Janeiro, o “Atlântico” foi projetado para tarefas de controle de áreas marítimas, projeção de poder sobre terra, pelo mar e ar e missões de caráter humanitário, como auxílio a vítimas de desastres naturais, evacuação de pessoal e operações de manutenção de paz. Na Marinha britânica, operou nas guerra civil de Serra Leoa (2000), do Iraque (2003) e da Líbia (2011); no socorro às vítimas de tempestades na Ásia (2009) e no terremoto do Haiti (2017).

A Marinha conhece bem a região do conflito, pois liderou a Força-Tarefa Marítima das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL, na sigla em inglês), em auxílio à esquadra libanesa na proteção das suas águas territoriais, de 2011 a 2020. A fragata “Independência” foi a última embarcação brasileira a participar da missão, com 200 homens, à frente cinco navios de Bangladesh, Alemanha, Grécia, Indonésia e Turquia. Apesar dessa expertise, somente o envio do “Atlântico”, o maior navio da América Latina, para a região, sem escolta, custaria R$ 25 milhões, no mínimo — recursos que não estão disponíveis no orçamento da Força.

Essa situação ilustra bem a capacidade de ação de Biden, que apoia a retaliação israelense incondicionalmente, e a fragilidade da narrativa humanitária de Lula, sem embargo das críticas ao terrorismo do Hamas e à desastrada política do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em relação aos palestinos. Ainda mais agora, que o premiê israelense formou um governo de unidade de emergência, com o líder da oposição centrista e o antigo ministro de Defesa Benny Gantz.

Toda a raiva da oposição israelense contra a reforma judicial de Netanyahu estará congelada até que a situação de segurança de Israel esteja sobre controle.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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