Nas entrelinhas: Centro-direita empareda o governo Lula

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A distribuição de ministérios a aliados sem ceder os poderes decisórios, “centralizado” no próprio presidente da República, e material, concentrado” no PT, seria a causa das derrotas do governo 

O cientista político Paulo Fábio Dantas, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBa), faz jus a um chiste do falecido economista Nailton Santos, colaborador de Celso Furtado e irmão do famoso geografo Milton Santos, para quem a sabedoria baiana é observar muito antes de decidir. “Somos mais antigos, não temos pressa. Olhamos para a direita (o Nordeste) e para baixo (o Sul Maravilha) antes de agir”, brincava. No alentado artigo intitulado Adensando névoa: o Poder Executivo num novo sistema de governo em construção (site Democracia política e novo reformismo), Paulo Fábio faz isso, a propósito da relação entre o governo Lula e o Congresso.

“No ponto a que pôde chegar o redesenho do sistema, sobressaem duas realidades incontornáveis. Uma, estrutural, é o maior empoderamento do Legislativo na “pequena política” (miúda, do dia a dia). Outra, contingente (embora duradoura), é a formação, também no âmbito do Congresso, de um bloco de centro-direita que atua, também, na grande política. Ele continua uma agenda de políticas liberais, retomada após o impedimento de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.”

Segundo Paulo Fábio, o impeachment de Dilma encerrou seis anos de “experiência desenvolvimentista centrada numa lógica mais estatista”. O Congresso atual, sob a liderança do deputado Arthur Lira (PP-AL), atuaria sob o signo dessa continuidade, pragmática e programática, num processo em que o fortalecimento da centro-direita fora legitimado em sucessivas eleições.

O cientista político compara a política brasileira a um tobogã em ziguezague, no qual se alternaram as políticas dos governos Dilma, Temer e Bolsonaro. “No contexto pós-impeachment, a partitura programática mudou e se manteve liberal em economia, ao menos até Bolsonaro (que sempre tocou de ouvido e mal nessa seara) incinerar qualquer programa político sério para a economia, num esforço populista desesperado para se reeleger.”

“Quando se chega a Lula 3 — e após quatro meses de governo, ainda não se sabe a que veio o Executivo, quanto a que padrão de relações quer manter com o Legislativo na pequena política e a que agenda macropolítica afinal adere. Entre o viés centrista da sua área econômica e tendências — visíveis noutras áreas do governo e na retórica do presidente — de resgatar o voluntarismo do tempo de Dilma Rousseff, o tobogã em ziguezague ainda domina e segue rejeitando qualquer padrão estável de atitude política”, conclui.

Imobilismo

Estaria fora de cogitação a hipótese de retorno ao presidencialismo forte com poderes assimétricos do presidente em relação ao Congresso: “Dentro das balizas da democracia, esses ovos já estão fritos. Como se tem repetido amiúde, um sério problema é que Lula e seu partido parecem até entender, mas não aceitar como irreversível a nova realidade”. Assim, seria um erro comparar o atual presidente da Câmara ao deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que deu início ao processo de impeachment de Dilma. “A história atual começaria na interação entre Temer e Rodrigo Maia, em 2016 e 2017”, argumenta.

A distribuição de ministérios a aliados de centro e centro-direita sem ceder os poderes decisórios, que é “centralizado” no próprio presidente da República, e material, mais “concentrado” no PT, seria a causa das derrotas do governo no Congresso. A ponto de surgir um “Vai pra casa, (Alexandre) Padilha”, uma referência jocosa ao ministro das Relações Institucionais.

“No imediato, a retórica farta dissimula o imobilismo prático. Mas a névoa que espalha nubla a visão do presidente para o essencial, que é a busca da forma política de viabilizar, num congresso conservador, a governabilidade fiscal, em seguida a tributária, para cumprir, de fato, a pauta social que forma, juntamente com a defesa e o fortalecimento da democracia, o compromisso político que agregou uma frente de partidos e a sociedade civil, e convenceu um número suficiente de eleitores a votarem nele”, conclui Paulo Fábio.

De fato, o governo Lula está diante de um impasse, que parece não ter sido devidamente compreendido pelos articuladores políticos do governo. A acachapante derrota na votação do Marco do Saneamento foi uma espécie de síntese de uma situação na qual a agenda intervencionista do governo esbarrou na correlação de forças do Congresso e revelou, ao mesmo tempo, dissintonia entre o ministro da Casa Civil, o baiano Rui Costa, e os ministros dos partidos que compõem a ampla coalização democrática de governo.

O próprio Padilha admite que precisa entender melhor o que houve. Para isso, pretende reunir o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e os ministros André de Paula (Pesca), Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Carlos Fávaro (Agricultura), do PSD; Jader Filho (Cidades), Renan Filho (Transportes) e Simone Tebet (Planejamento), do MDB; e Daniela Carneiro (Turismo), Juscelino Filho (Comunicações) e Waldez Góes (Desenvolvimento Regional), do União Brasil com suas respectivas bancadas.

Hoje, os deputados desses partidos seguem mais a orientação de Lira do que a de seus ministros. Somente um pacto com Lula pode reequilibrar essas relações, mas essa ainda não é a do PT.