Nas entrelinhas: Cartão de Bolsonaro provocou “efeito borboleta”

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O ex-presidente pode, sim, ser condenado por falsificar um documento do SUS, mas não é um Al Capone. É um líder político, que se diz perseguido e mobiliza seus apoiadores

Um dos mais famosos casos de investigação criminal é a prisão de Al Capone, o mafioso que comandou o crime organizado em Chicago no fim da década de 1920 e começo da década de 1930. O gangster ítalo-americano nasceu em Nova York e sucedeu Johnny Torrio no comando da máfia norte-americana, que controlava a venda ilegal de bebidas alcoólicas, proibidas nos Estados Unidos na época da Lei Seca.

Além da fabricação e do contrabando de bebidas, Al Capone comandava uma rede criminosa cujas atividades envolviam agiotagem, cafetinagem, extorsões e venda de drogas. Preso em 1931, faleceu em 1947. O filme Os Intocáveis (1987), de Brian de Palma, durante duas horas descreve a atuação dos policiais que investigaram e prenderam Al Capone, não em razão dos muitos crimes que cometeu, porém, por causa de uma fraude na declaração de Imposto de Renda.

O agente federal Eliot Ness (Kevin Costner) é um personagem real, destacado para combater a criminalidade numa Chicago refém das quadrilhas que se desenvolveram pelas beiradas da Lei Seca. No filme, ele consegue montar um time de policiais honestos: Jim Malone (Sean Connery), George Stone (Andy Garcia) e Oscar Wallace (Charles Martin Smith), que enfrentam os corruptos da cidade e perseguem Al Capone. Robert De Niro consegue caracterizá-lo como de fato era: poderoso e cínico, um assassino muito violento.

Al Capone passou a ser investigado pelo FBI após o Massacre de São Valentim, quando sete integrantes de uma gangue rival foram assassinados. Mas o caminho para prendê-lo foi sua situação fiscal: o Tesouro e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos indiciaram o mafioso ítalo-americano por sonegação fiscal, pois devia cerca de US$ 200 mil em impostos.

Também foi indiciado por violar a lei que proibia a venda de bebidas alcoólicas no país. Seu primeiro julgamento acatou 22 acusações de sonegação fiscal, resultando em uma condenação de 11 anos, além de multa e a obrigação de pagar custas do processo. Al Capone foi preso em 1931 e, posteriormente, enviado para a prisão de segurança máxima de Alcatraz, onde passou a sofrer com o avanço dos efeitos da sífilis. Em 1939, saiu da cadeia e viveu seus últimos anos em liberdade. Faleceu em 1947. Nunca foi condenado por assassinato.

Nesta terça-feira, a Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outras 16 pessoas por supostas fraudes em cartões de vacina contra a covid-19. Bolsonaro pode ser condenado a até 15 anos de prisão. Também foram indiciados seu ex-ajudante de ordens Mauro Cid e mais 15 envolvidos na operação de falsificação de um cartão de vacinação para Bolsonaro, necessário para ingressar nos Estados Unidos. Indiciado por associação criminosa, falsidade ideológica de documento público, inserção de dados falsos em sistema de informações, Bolsonaro está muito enrolado nessa fraude por causa da delação premiada de Mauro Cid.

Tudo no celular

Bolsonaro se recusou a tomar vacina contra a covid-19. A falsificação do seu cartão de imunização teve uma espécie de “efeito borboleta”, uma expressão utilizada na Teoria do Caos por causa de características marcantes dos sistemas caóticos. Detectado e descrito pelo meteorologista estadunidense Edward Lorenz, quando trabalhava em um sistema de equações diferenciais com o objetivo de modelar a evolução do tempo (clima), o “efeito borboleta” é uma alegoria, segundo a qual o bater de asas de uma borboleta na Austrália pode desencadear uma sequência de fenômenos meteorológicos que provocarão um tornado na Califórnia.

É mais ou menos o que aconteceu. Mauro Cid teve seu celular recolhido numa operação de busca e apreensão realizada pela Polícia Federal ao investigar a falsificação do documento do SUS. No celular, havia também informações sobre o famoso caso da venda de um relógio cravejado de brilhantes recebido por Bolsonaro da Arábia Saudita, durante viagem oficial como presidente da República. O envolvimento do pai de Mauro Cid, o general Lorena Cid, na venda do relógio foi descoberto por causa de uma foto arquivada no celular.

A casa caiu. Mauro Cid foi aconselhado a fazer delação premiada para proteger sua família: falou tudo o que sabia, sobre as joias e a trama palaciana para dar um golpe de Estado e manter Bolsonaro no poder. Ao pedir o indiciamento, a PF argumenta que a falsificação dos cartões “pode ter sido utilizado pelo grupo para permitir que seus integrantes, após a tentativa inicial de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para entrada e permanência no exterior (cartão de vacina), aguardando a conclusão dos atos relacionados a nova tentativa de golpe de Estado, que eclodiu em 8 de janeiro de 2023”. Olha aí o “efeito borboleta”.

Após a PF indiciar os suspeitos, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) oferecer denúncia ao STF ou não. Uma vez denunciados, o tribunal analisará as provas para iniciar ou não uma ação penal. O caso está na alçada do ministro Alexandre de Moraes. Bolsonaro pode, sim, ser condenado por falsificar um documento do SUS, mas não é um Al Capone. É um líder político, que se diz perseguido e mobiliza seus apoiadores em torno disso. Essa disputa política é o outro lado da moeda. Por isso, mais do que nunca, é preciso respeitar o devido processo legal.

Colunas anteriores no Blog do Azedo: https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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