Digamos que há um refluxo nos protestos e nas articulações para forçar a renúncia de Michel Temer. A entrada em cena das Forças Armadas, na verdade, deixou todo o mundo político assustado
Crises políticas são traiçoeiras, quando levam ao confronto os Poderes da República — Executivo, Legislativo e Judiciário —, tornam-se institucionais. O pressuposto do funcionamento normal das instituições é a harmonia entre os Poderes, não apenas a independência; quando há confronto, a crise se instala. Depois da balbúrdia de quarta-feira, quando a Esplanada literalmente pegou fogo, ontem foi um dia de aparente calmaria. As crises políticas, porém, são como o movimento das marés, sobem e descem duas vezes por dia, seja durante a ressaca ou na calmaria. O Congresso teve um dia de normalidade (ou seja, a maioria dos parlamentares voltou para os estados), o Exército e a Marinha retornaram aos quartéis, mas a secular Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu entrada no seu pedido do impeachment do presidente Michel Temer na Câmara, por crime de responsabilidade. Ninguém imagine que é coisa trivial.
“O pedido da OAB leva em consideração as manifestações do presidente da República, que em dois momentos, em rede nacional de televisão, declara textualmente ter conhecimento com relação a todos os fatos. O presidente declara que escutou desse empresário, que ele nominou como fanfarrão e delinquente, todos aqueles crimes e nada fez com relação ao que escutou”, disse o presidente da OAB, Cláudio Lamachia, ao chegar à Câmara. A entidade também pediu que Temer fique inabilitado de exercer cargo público por oito anos. Acusa Temer de cometer crime de responsabilidade e violar o decoro do cargo de presidente.
Temer gravou um vídeo exaltando o fato de que o Brasil não parou, apesar da crise, e destacou as votações realizadas na Câmara e no Senado, nas quais os projetos do governo foram apoiados pela base parlamentar. Ao mesmo tempo, revogou o decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) na Esplanada, que gerou muita polêmica porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou que havia pedido ajuda da Força Nacional (uma tropa de policiais militares à disposição do Ministério da Justiça) e não o emprego das Forças Armadas. O governador de Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, também queixou-se de não ter sido consultado e disse que a Polícia Militar tinha condições de manter o controle da situação. A maior prova de descontrole são as imagens de policiais militares acuados dando tiros de revólver para não apanhar dos manifestantes.
Digamos que há um refluxo nos protestos e nas articulações para forçar a renúncia de Michel Temer. A entrada em cena das Forças Armadas, na verdade, deixou todo o mundo político assustado, porque é um sinal de anormalidade. No Chile, em 1973, o sangrento golpe do general Augusto Pinochet foi cevado por sucessivas intervenções militares para conter protestos e manifestações violentas de grupos extremistas de ambos os lados do espectro político, como o MIR (extrema-esquerda) e o Patria y Libertad (extrema-direita). A radicalização cresceu a ponto de o general legalista Carlos Prats propor o estado de sítio, mas o Congresso rejeitou. Com o país à beira da guerra civil, o desfecho da crise foi a deposição e morte do presidente Salvador Allende, no Palácio de La Moneda, e a instalação da mais sangrenta ditadura de continente. É óbvio que estamos muito longe disso, até porque a guerra fria acabou.
Absolvida
Outra decisão serviu para desanuviar o ambiente. O juiz Sérgio Moro absolveu a mulher do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a jornalista Cláudia Cruz, por insuficiência de provas. Na sentença, disse que não é possível provar que todos os recursos gastos tenham sido oriundos de propina: “Foi de fato possível rastrear somente os ativos recebidos em um acerto de corrupção, envolvendo o contrato de Benin, sendo que o produto respectivo, de US$ 1,5 milhão não foi destinado, sequer em parte, à conta em nome da Kopek”.
Segundo Moro, os crimes de ocultação e dissimulação por meio de contas secretas no exterior são imputáveis a Eduardo Cunha, que geria as contas e tinha um cartão de crédito próprio vinculado à conta Kopek (da qual foram confiscados 176,6 mil francos suíços, ou seja, quase R$ 600 mil). A participação de Cláudia Cruz foi “meramente acessória e é bastante plausível a sua alegação de que a gestão financeira da família era de responsabilidade do marido”, sentenciou Moro. A decisão desanuviou o ambiente político por dois motivos: especulava-se que Cunha faria delação premiada para preservar a mulher; há outros casos semelhantes.
Moro condenou o ex-diretor internacional da Petrobras Jorge Luiz Zelada a seis anos de prisão por corrupção passiva, “pelo pagamento de vantagem indevida para outrem no contrato de aquisição pela Petrobras dos direitos de exploração do Bloco 4 em Benin”; o operador de propinas do PMDB, João Augusto Rezende Henriques, foi condenado a sete anos de reclusão por corrupção ativa e lavagem de dinheiro; Cunha já cumpre pena de 15 anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
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