O Brasil tem 144 milhões de eleitores. É a maior democracia de massas do mundo, devido ao voto direto, secreto e universal e às urnas eletrônicas, que garantem a lisura do pleito
O imponderável do processo eleitoral é o voto direto, secreto e universal, ou seja, a vontade do eleitor. Quando a incerteza permanece a cinco meses das eleições, é um sintoma de que nossa democracia está viva, graças à possibilidade de alternância de poder. Se considerarmos a emenda constitucional da reeleição que possibilitou a renovação dos mandatos dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o fato de o presidente Michel Temer não liderar a corrida eleitoral deste ano somente reafirma esse princípio basilar da democracia. Outro é o direito ao dissenso, ou seja, a oposição gozar de plena liberdade para exercer seu papel e disputar o poder.
No limite das regras do jogo, o impeachment foi um instrumento legítimo de a antiga oposição depor o governo por crime de responsabilidade. Foi o que aconteceu com a presidente Dilma Rousseff, afastada do poder com base no rito previsto constitucionalmente, sob a presidência insuspeita do ministro Ricardo Lewandowski, que comandou a sessão do Senado em nome do Supremo Tribunal Federal (STF). O PT pode espernear à vontade, mas Dilma foi deposta por incompetência no exercício do cargo (administrativa, econômica e política). Tanto que a narrativa do golpe é acompanhada do perdão aos aliados que a traíram. Com exceção de São Paulo, em todos os estados, nas disputas regionais, o PT já está se coligando aos “golpistas”. Pura ironia.
Grosso modo, se imaginava que o governo Michel Temer, na medida em que pôs fim à recessão, jogou a inflação abaixo da meta e baixou os juros aos mais baixos de sua história pós Plano Real, manteria unidas as forças que apoiaram o impeachment, o que possibilitaria uma candidatura robusta dessa coalizão de forças, quiçá a dele próprio. Entretanto, não é o que acontece. Temer amarga os mesmos índices de popularidade a que a presidente Dilma Rousseff havia chegado quando seu governo rolou ladeira abaixo. Os motivos não são exatamente iguais no plano econômico, com exceção do desemprego, mas são os de sempre no plano das políticas públicas (segurança, educação, saúde, transportes, etc.) e os mesmos quanto à ética na política. O presidente da República foi arrastado para o olho do furacão da Lava-Jato desde a fatídica noite do encontro com Joesley Batista, dono da JBS, no Palácio do Jaburu, no ano passado.
Com Temer inviabilizado eleitoralmente, o candidato natural dessa coalizão seria o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que havia batido na trave nas eleições de 2014. Entretanto, o líder tucano também foi tragado pela Operação Lava-Jato, com outros caciques da legenda, arrastando consigo o prestígio de seu partido. O resultado é a desidratação da candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin, que não decolou até agora e perde capacidade de agregação de outras forças, ainda mais fora do poder. O sintoma mais grave dessa dificuldade é a coligação formada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em torno de sua candidatura, com a participação do Solidariedade, do PP e do PRB. Sem apoio dessas forças, Alckmin terá grandes dificuldades para chegar ao segundo turno.
Voto majoritário
Mesmo preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda goza de enorme prestígio. Mas sua popularidade já está contingenciada pela prisão; além disso, não pode ser candidato. A incógnita é saber se PT está se recuperando do isolamento e da derrota eleitoral de 2016. O cenário nos estados de Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Norte mostram que o PT pode sobreviver às urnas. Apesar da Lava-Jato, manteve sua base histórica graças à narrativa do golpe, à vitimização de Lula e à resiliência de sua militância, que beira o fanatismo messiânico. O problema é que a manutenção da “candidatura” de Lula, mesmo inelegível, por causa da Lei da Ficha Limpa, pode ser uma armadilha: a transferência de voto para o seu substituto, provavelmente o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, não será uma operação fácil com seu padrinho político atrás das grades.
Voltamos, pois, ao imponderável. Sem Lula e sem uma candidatura robusta de centro, a eleição está polarizada em Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede), ambos sem tempo de televisão. Bolsonaro hoje estaria no segundo turno, tem forte articulação nas redes sociais e uma campanha de massas. Marina Silva, nas duas últimas eleições, mostrou notável resiliência, com pouco tempo de televisão, e pode chegar ao segundo turno. É nesse vácuo político que Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos) almejam chegar ao segundo turno, como candidatos à esquerda antiestablishment. À direita, é Bolsonaro.
O Brasil tem 144 milhões de eleitores. É a maior democracia de massas do mundo, devido ao voto direto, secreto e universal e às urnas eletrônicas, que garantem a lisura do pleito e a apuração do resultado no mesmo dia. Mas essas eleições foram contingenciadas por uma contrarreforma política, cujo objetivo foi salvar os mandatos de atual elite parlamentar. Esse objetivo pode ser alcançado nas eleições proporcionais, mas as pesquisas estão mostrando que nas majoritárias tudo pode ser diferente, principalmente para o Senado e a Presidência da República. No primeiro caso, porque as eleições ocorrem no primeiro turno; no segundo, porque o regime é presidencialista e a maioria dos eleitores ainda acredita que
um presidente pode resolver tudo sozinho.