Mesmo com todo o prestígio que tem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, começa a correr os mesmos riscos do antecessor Joaquim Levy, que fracassou no ajuste fiscal
Tudo bem que o presidente interino Michel Temer tenha que administrar o país com um olho na frigideira, a sua maioria na Câmara dos Deputados, e o outro no gato, a votação do impeachment no Senado. Mas precisa tomar cuidado para que a caixa de sapato onde o Palácio do Planalto guarda os pedidos de seus aliados não passe a ter mais peso nas decisões do que o balancete diário do Tesouro. Parece ser o que está acontecendo, uma vez que a conversa nos bastidores é de que a meta de deficit público vai ultrapassar os R$ 170,5 bilhões, porque o governo não quer fazer contingenciamentos.
É por aí que a situação do país pode desandar de novo, ainda que seja remotíssima a possibilidade de volta da presidente Dilma Rousseff ao cargo, tamanho o desânimo dos petistas. No Senado, o governo conta com cerca de 70 senadores para aprovar o impeachment, independentemente do mérito da discussão jurídica sobre as “pedaladas fiscais”. É jogo jogado, mas está ficando muito caro. Na Câmara, o Planalto pode tranquilamente somar os votos de Rogério Rosso (PSD-DF), o candidato derrotado, aos da ala oposicionista que bancou a candidatura de Rodrigo Maia (DEM-RJ), sem medo da chantagem institucional para aprovar seus projetos. Mas, lá também, precisa tomar cuidado com a caixa de sapato que guarda o fichário dos líderes de sua base.
O sinal de que o mais rudimentar dos instrumentos de gestão política está ganhando mais importância do que os sofisticados programas de gerenciamento de despesas e receitas foi dado ontem, pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, no Rio de Janeiro. Ele disse que aumentos pontuais de impostos poderão ser adotados, se necessário, para cobrir o rombo nas contas públicas além do previsto. Isso dependerá do crescimento das receitas públicas e das receitas futuras com privatizações, concessões e outorgas. A sociedade rejeita os aumentos de impostos.
Meirelles garantiu que a meta deste ano, um rombo de R$ 170,5 bilhões, será cumprida, mas isso depende de uma economia de R$ 6,6 bilhões de estados e municípios, e de um bom desempenho dos bancos e empresas estatais. A negociação com os governos foi concluída, mas houve um estouro de boiada em relação às prefeituras. O PMDB tem 1.024 prefeitos eleitos em 2012; o PSDB, 702; o PSD, 497; PP, 469; e PSB, 442. A maioria estava a pão e água no governo Dilma. Em consequência, a torneira foi aberta generosamente pelos ministros da base aliada, principalmente para os filiados a seus respectivos estados e partidos.
A blindagem
O grande trunfo de Temer na sua interinidade é a blindagem da economia. O apoio político é fundamental, mas ele vem em razão de três fatores basicamente: a recessão, o isolamento político do PT e o desgaste da presidente Dilma Rousseff com a sua base. Dos três, o que pode transformar o governo Temer em sócio da Dilma e levá-lo à breca é a recessão. Ora, sem o ajuste fiscal, com os juros nas alturas para controlar a inflação, o governo acabará impotente para retomar o crescimento da economia. E correrá o risco de o povo voltar às ruas pedindo outro impeachment.
A inércia do fisiologismo político, ou seja, a gestão pela caixa de sapato, é um veneno para a economia. Mesmo com todo o prestígio que tem, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, começa a correr os mesmos riscos do antecessor Joaquim Levy, que fracassou no ajuste fiscal. A diferença, por enquanto, é o estratagema adotado: empurrar com a barriga os cortes de gastos e apostar no ajuste estrutural, ao anunciar medidas como a aprovação de um teto para os gastos públicos, a adoção do contrato coletivo de trabalho e a unificação da Previdência. Essa agenda, por enquanto, é o ovo na galinha.
Talvez a melhor coisa que o presidente Michel Temer possa fazer para sair da armadilha do fisiologismo de sua base seja pactuar uma agenda comum, exequível, com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). E votá-la ainda neste ano, no embalo do afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff. Se deixar para depois, nada garante que terá uma correlação de forças mais favorável no próximo ano, pois a sua sucessão já estará na rua.
Trata-se, obviamente, de uma agenda de caráter liberal, cujo eixo é a limitação dos gastos públicos ao tamanho da economia e a menor interferência do governo nas atividades privadas. Politicamente, enfrenta a oposição sistemática de cartéis, cartórios, corporações e sindicatos, mas tem amplo apoio social, porque a maioria da população acha que paga muito imposto e recebe pouco em troca. Isso significa falta de regulação e fiscalização do mercado? Não, desde que as regras do jogo sejam transparentes, respeitadas e iguais para todo mundo.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…