Nas entrelinhas: Cadê o “Volta, Dilma!”?

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Como caracterizar um golpe quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) preside o julgamento do impeachment?

Não foi à toa que os petistas adotaram a palavra de ordem “Fora, Temer!”, na qual se confundem com todos os demais adversários do presidente interino. É uma maneira de fugir à responsabilidade de defender a volta de Dilma Rousseff ao poder, uma missão impossível para a cúpula do PT, cujo único objetivo agora é se defender da Operação Lava-Jato. Mesmo a tese do “golpe de Estado” contra a presidente eleita já não tem o consenso partidário. Como caracterizar um golpe quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, notoriamente ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preside o julgamento do impeachment?

A partir de hoje, os senadores petistas — alguns dos quais também investigados na Operação Lava-Jato — , na sessão plenária do Senado Federal que decidirá julgará ou não o pedido de impeachment, já não poderão afirmar que o processo é um golpe sem também acusar Lewandowski de golpista. Ou seja, começa a cair por terra a tese de que a Constituição foi rasgada pelo Congresso. É que as regras do jogo foram estabelecidas pelo STF em julgamento no qual o Senado foi fortalecido como instância julgadora, uma vez que a Câmara, então ainda presidida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teve subtraído o poder de afastar a presidente da República. O processo se tornou mais demorado, mas enfraqueceu a retórica de que o impeachment fora aberto como uma “vingança” de Cunha aliado à oposição.

Estranho golpe esse, sem tanques nas ruas, cassações de mandatos, fechamento de sindicados, censura à imprensa, ocupação de rádios e emissoras de tevê. Nada se parece com o golpe militar de 1964, como a presidente afastada chegou a comparar. Somente quem não viveu aqueles dias ou interpreta a história por um viés ideológico sustenta um paralelo tão fora da realidade. A propósito, a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro serve para desfazer toda a campanha internacional feita por Dilma, por parte da diplomacia e por aliados do PT de que estaria em curso um golpe de Estado. A polêmica proibição de manifestações de protestos nos locais de jogos, que é usada para caracterizar um surreal processo de fascistização do país, ao contrário do que alguns imaginam, foi estabelecida a pedido do Comitê Olímpico Internacional pela própria presidente Dilma Rousseff. Nada impedia que os protestos contra o governo Michel Temer sejam marcados e convocados para os locais onde normalmente essas manifestações ocorrem. E ontem uma juiza federal liberou os protestos.

Mas voltemos ao impeachment. Para ocorrer, o julgamento da presidente Dilma Rousseff precisa que a maioria simples dos senadores aceite o pedido aprovado pela comissão especial, nos termos do relatório do senador Antônio Anastasia. Essa votação será hoje, em sessão que servirá para uma avaliação realista da situação da presidente afastada e das dificuldades criadas pelos senadores que estão em cima do muro. Dos 81 senadores, 39 declararam votos pelo impeachment, 18 são contrários e os demais preferem não declarar o voto. Nos bastidores, porém, já passam de 60 os senadores que se comprometeram com o Palácio do Planalto a aprovarem o impeachment. São necessários 54 votos. O caso do senador Cristovam Buarque (PPS-DF) é o mais emblemático: ele não disse que votará a favor da cassação de Dilma, mas já deu sinais de que considera o impeachment uma alternativa válida. O último deles foi repudiar a comparação com o golpe de 1964.

O desafeto

A estratégia de usar a má fama de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara, para desmoralizar o impeachment também se esvai com o passar dos dias. Desde a eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Casa, sua influência diminuiu, embora ainda tenha aliados poderosos. Ontem, foi lido em plenário o pedido de sua cassação, que será publicado hoje no Diário Oficial. Abre-se, assim, o prazo de até duas sessões ordinárias (de votações ou debates) para que o processo seja incluído na pauta, com prioridade sobre outros temas. O PT e o Psol, dilmistas, e o PSDB, o DEM e o PPS, da antiga oposição, cobram a marcação imediata da data de votação. A cassação é pedra cantada, até mesmo para os aliados de Cunha, que têm medo dele se sentir traído e, por isso, denunciar a todos que ajudou com recursos de campanha em acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Se perder o mandato, quem julgará seu caso é o juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

Maia argumenta que o tema é bastante polêmico e precisa ser definido por um plenário com quórum elevado. São necessários 257 votos entre os 512 deputados em exercício para que seja determinada a perda do mandato de Cunha. O risco de não aprovarem a cassação de Cunha seria real durante as Olimpíadas do Rio, porque a opinião pública está inebriada pela festa. Mesmo assim, em votação aberta, será muito difícil para qualquer deputado nâo comparecer à sessão da cassação. A opinião pública considera Cunha uma espécie de inimigo público número um. Ninguém se surpreenda se ele for cassado antes mesmo do afastamento definitivo de Dilma Rousseff.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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