Nas entrelinhas: Brando impeachment

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Temer foi surpreendido pela polêmica votação que poupou Dilma da inabilitação para o exercício de cargos públicos

Dilma Rousseff teve o seu mandato cassado ontem pelo Senado, por 61 votos a 20, o maior placar das estimativas do Palácio do Planalto. Para surpresa geral, porém, a votação do impeachment foi desmembrada por uma manobra regimental articulada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e aceita monocraticamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, que acolheu destaque para votar em separado a inabilitação de Dilma para exercer funções públicas. Resultado: 42 senadores votaram a favor e 36 contra, com três abstenções, ou seja, menos do que os 54 votos necessários para afastar Dilma da vida pública por oito anos. Na mesma tarde, o presidente Michel Temer foi efetivado no cargo em sessão do Congresso.
Por causa da manobra, a aprovação do impeachment teve uma espécie de anticlímax. Na primeira votação, houve duros ataques dos petistas aos adversários, reiterando as teses de golpe de Estado. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou a chamar de “canalhas” os colegas que votaram a favor do impeachment. Na segunda, houve um apelo dramático dos senadores João Capiberibe (PSB-AP) e Jorge Vianna (PT-AC) para que Dilma fosse poupada da perda do direito de exercer cargos públicos, com o argumento de que teria que dar aulas para sobreviver. O apelo pode ter sensibilizado alguns senadores, como Cristovam Buarque (PPS-DF), porém, o que funcionou mesmo foi a articulação feita pelo presidente do Senado. A maioria da bancada do PMDB acompanhou Renan, que antecipou seu voto contra a punição, e não ao líder do governo, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Estava tudo articulado desde a véspera, a tempo de o presidente do Supremo pesquisar a legislação do impeachment, os regimentos do Senado e da Câmara e até mesmo o glossário do Congresso para enquadrar o destaque como emenda ao parecer do senador Antônio Anastasia (PSDB-MG), que pedia a cassação de Dilma. Na Constituição, a inabilitação ao exercício de cargo público está associada à cassação do mandato. Aloysio Nunes Ferreira ainda tentou evitar o desmembramento, mas suas ponderações não foram aceitas por Lewandowski.
Havia de parte de muitos a expectativa de que a decisão diminuísse a tensão no Senado, mas não foi o que aconteceu. Os partidos da antiga oposição ficaram muito incomodados com a manobra dos caciques do PMDB. O líder do governo chegou a pôr o cargo à disposição de Temer, que não aceitou o pedido de demissão de Aloysio Nunes. Parlamentares do PSDB e do DEM chegaram a anunciar que recorreriam ao STF para anular a decisão, mas desistiram com medo de que a sessão inteira fosse anulada, o que provocaria um novo julgamento.

Dilma e Temer

No Palácio da Alvorada, Dilma recebeu a solidariedade de deputados, senadores e ex-ministros petistas e fez seu mais duro discurso contra Temer, chamando-o de usurpador e chefe de “um governo de corruptos”. Voltou a dizer que o impeachment é um golpe de Estado e conclamou os aliados a fazerem dura e permanente oposição. Entre seus ex-colaboradores, o clima não era de desânimo nem de desespero. Era de alívio e regozijo por preservar os direitos de Dilma a exercer cargos públicos, embora ainda haja controvérsias sobre sua inelegibilidade, por causa da Lei da Ficha Limpa.
O presidente Michel Temer também foi surpreendido pela atitude de Renan e pela votação. Chegou a circular a informação de que havia recomendado aos aliados que recorressem da decisão. Na reunião ministerial que fez logo após a posse, no Palácio do Planalto, disse que não levaria ofensa pra casa: segundo ele, golpistas são os que não respeitaram a Constituição. Recomendou aos ministros que rebatessem com elegância e firmeza a acusação. Temer confirmou a efetivação de toda a equipe, elogiou a atuação dos auxiliares e pediu que dessem prioridade em suas respectivas pastas ao combate ao desemprego e à burocratização. Disse também que não admitiria divisão na base do governo e que espera apoio dos aliados ao ajuste fiscal e à reforma da Previdência.
Temer viajou ontem mesmo para a China, com objetivo de participar da reunião de cúpula do G-20 (os vinte países mais ricos do mundo), na qual fará quatro discursos e diversas reuniões bilaterais. Para justificar a viagem, queixou-se de que Dilma havia difundido uma imagem negativa do país no exterior e que precisava mostrar que o Brasil vive um quadro de normalidade institucional para conseguir a volta dos investimentos estrangeiros.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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