Nas entrelinhas: Bolsonaro tem fascínio por ouro e pedras preciosas

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A Polícia Federal pediu ao Supremo a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente da República, que deve ser ouvido no inquérito que apura a venda e recompra de joias da União nos EUA

O ex-presidente Jair Bolsonaro está numa situação muito difícil, por causa da história das joias que recebeu de presente da Arábia Saudita, as quais tentou vender e não conseguiu — ou teria vendido e comprado de volta, segundos os fatos revelados até agora. A Polícia Federal (PF) classifica como “organização criminosa” o suposto esquema de venda ilegal de joias e bens de luxo da União para favorecer o ex-presidente da República.

Presentes oficiais de governos estrangeiros são considerados acervo do Estado. A Arábia Saudita e outros monarquias árabes costumam dar joias de presentes aos governantes amigos. O destino dado aos presentes não é um problema deles. Os presentes recebidos por Bolsonaro não são de sua propriedade e, agora, servem de materialidade para o provável indiciamento do ex-presidente, por querer aumentar o patrimônio pessoal por meio da alienação de bens públicos.

Na sexta-feira, a PF pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente da República, que deve ser ouvido no inquérito que apura a venda e recompra, nos Estados Unidos, de um relógio de ouro branco cravejado de diamantes, recebido por Bolsonaro em viagem à Arábia Saudita, em 2019. Dizem os agentes que o objeto foi levado para os Estados Unidos, em junho do ano passado, e vendido.

No relatório enviado ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a PF pede autorização para investigar o grupo de envolvidos no escândalo. Mais uma vez, o protagonista é tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que está preso num quartel do Exército. O problema é que os novos personagens são três fios desencapados para Bolsonaro: o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, pai do militar; Osmar Crivelatti, braço direito do ex-ajudante de ordens; e Frederick Wassef, ex-advogado da família Bolsonaro.

O velho general é um quatro estrelas, muito querido no Alto Comando do Exército, mas está empenhado nessa história muito mais do que um pai zeloso faria em defesa do filho. Nomeado para a Apex nos Estados Unidos, teria participado diretamente da venda do relógio. Osmar Crivelatti, braço direito do ajudante de ordens, é um subtenente apadrinhado pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Boas, general que nada tem a ver com o caso; e Frederick Wassef é o ex-advogado da família Bolsonaro no famoso caso das rachadinhas da Assembleia Legislativa do Rio de janeiro, supostamente encarregado de recomprar o relógio. Crivelatti pode ter entrado de gaiato no navio; é o candidato a homem-bomba.

Segundo a PF, Mauro Cid viajou de Miami a Willow Grove, na Pensilvânia, para ir a uma loja de relógios e “efetivou a venda do relógio que integrava o kit ouro branco presenteado ao ex-presidente Jair Bolsonaro”. O acessório teria sido negociado por U$S 68 mil (cerca de R$ 346 mil). O dinheiro foi depositado na conta de Lourena Cid, na Flórida. A PF afirma que um desses kits foi levado aos EUA no mesmo avião presidencial em que Bolsonaro viajou em dezembro do ano passado.

Garimpagem

Em uma das fotos anexadas no relatório da PF, Lourena Cid aparece no reflexo da caixa de uma das esculturas. Os agentes identificaram ao menos R$ 4 milhões em movimentações financeiras em conta do militar no exterior. Em uma das conversas obtidas pela PF, Mauro Cid afirma ao ex-assessor de Bolsonaro Marcelo Câmara que o pai está em posse de US$ 25 mil em dinheiro vivo, para ser entregue ao ex-presidente. Suspeita-se que o dinheiro tenha origem na venda de joias. Na mensagem interceptada pela polícia, o militar indica que estaria com medo de usar o sistema bancário.

Advogado criminalista, Wassef gosta de viver perigosamente. Profissionalmente, atua de forma heterodoxa. Foi acionado para resgatar o relógio, depois que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que Bolsonaro devolvesse ao Estado todas as joias que recebeu de presente.

A PF já tem indicações de que o grupo está envolvido na venda de dois kits de joias da marca suíça Chopard e duas esculturas douradas — um barco e uma palmeira. Os objetos, segundo a PF, deixaram o país em aviões da Força Aérea Brasileira e na própria aeronave presidencial, na viagem de Bolsonaro para a Cúpula das Américas. Bolsonaro contesta as acusações: “O presidente Bolsonaro reitera que jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos, colocando à disposição do Poder Judiciário sua movimentação bancária”, diz a nota oficial de sua defesa.

Bolsonaro herdou verdadeiro fascínio por outro e pedras preciosas. Seu pai, Percy Geraldo, foi um dos garimpeiros de Serra Pelada, ao lado de 100 mil aventureiros que buscavam fortuna na selva do Pará nos anos 1980. Mais de 56 toneladas de ouro foram extraídas da região. O envolvimento com garimpo também consta da ficha de Bolsonaro no Exército. Em 1983, ele resolveu passar as férias em Saúde, na Bahia, para garimpar. Estava com outros cinco militares, sendo que dois “estavam sob seu comando”.

Quando viajava, Bolsonaro carregava consigo um jogo de peneiras e bateia para revolver a água e o cascalho. Parava à beira dos rios, arregaçava a calça e entrava na água até as canelas. “Sempre que possível eu paro num canto qualquer para dar uma faiscada”, registrou num vídeo gravado para os garimpeiros. O garimpo nos rios com bateia chama-se faiscar.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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