A base do governo Temer ainda não entendeu que está num barco que corre risco de naufrágio se não reduzir o rombo no casco e jogar carga ao mar
Uma das características da nossa política tradicional é o predomínio da “transa” em relação ao mérito das questões que estão em jogo. O que é isso? São os acordos políticos tecidos pelos líderes com suas respectivas bancadas para garantir apoio ao governo, geralmente a partir de um sistema de barganhas nas quais a decisão política acaba subordinada a um carguinho aqui, outro ali, uma verbinha pra lá, outra pra cá, a troca de apoio nas eleições locais e por aí vai. O mérito da discussão acaba sempre em segundo plano, é assunto para os especialistas que assessoram os relatores dos projetos e as equipes técnicas dos ministros. Mas sempre há um divisor de águas para a batalha que se estabelece entre o governo e a oposição em plenário.
Agora, em meio ao segundo turno das eleições municipais, trava-se uma batalha de vida ou morte para o governo Temer. Não é uma batalha com a oposição, que foi batida nas urnas no primeiro turno das eleições municipais. É queda de braços entre o presidente da República, Michel Temer, e sua própria base de apoio, para fazer o que precisa ser feito: o ajuste fiscal. O divisor de águas visível para a opinião pública é o teto dos gastos públicos, que a oposição aponta como um suposto golpe mortal nos programas sociais dos governos Dilma e Lula, mas que nada mais é do que uma imperiosa necessidade. Sem um freio de arrumação no deficit público, o país continuará ladeira abaixo e os partidos que aprovaram o impeachment de Dilma Rousseff serão levados de roldão pela recessão, pela inflação e pelo desemprego.
No nosso Congresso, relatar projetos importantes, que galvanizam as atenções da mídia, são momentos de glória para qualquer parlamentar. O grande problema é quando a proposta não versa sobre matéria de apelo popular, o que geralmente é sinônimo de aumento de gastos públicos. O relator, mesmo escolhido a dedo, sofre pressões de todos os lados e acaba acendendo uma vela pra Deus e outra para o diabo. Se não faz isso, centenas de emendas são apresentadas para desfigurar o projeto original, que acaba virando um mostrengo. A única alternativa é o presidente da República vetar os artigos inconvenientes, mesmo correndo o risco de a emenda fica pior do que o soneto.
No momento, o projeto de emenda constitucional que limita o teto dos gastos públicos, cujo relator é o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos líderes da bancada da Saúde na Câmara, passa por um corredor polonês. A base de cálculo do piso mínimo dos gastos com saúde em 2017, por exemplo, por pressão da base, será de 15% da receita líquida, e não de 13,7%, como previa o texto original. Nas negociações para elaboração do seu relatório, acordou-se que as despesas federais serão corrigidas pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. O texto original previa que a correção seria pela previsão do IPCA do fim do ano. Com a mudança, os parlamentares poderiam trocar o percentual que corrigiu a proposta de Orçamento de 2017, já enviada ao Congresso, fixado em 7,2%, que é a previsão para inflação deste ano.
Negociação
Ou seja, foi aberto um espaço para aumentar os gastos orçamentários no ano que vem, em vez de reduzi-los, já que a correção poderia ser de 8,8%, referente ao IPCA acumulado em 12 meses até junho último, ou seja, um aumento de 1,6 ponto percentual. A alteração poderia ser feita durante a votação do Orçamento do ano que vem, o que provocaria um aumento real das despesas públicas já na largada do teto, desmoralizando o ajuste. O governo, porém, acertou com o deputado Darcísio Perondi a inclusão do artigo na própria PEC. Com isso, espera garantir a correção de 7,2% na votação do Orçamento, empurrando a mudança para 2018. Esse foi o acordo com o relator, mas falta combinar com os beques.
Essa é a negociação em curso entre o presidente Temer e a base. Inicialmente, somente o PSDB defendia o ajuste com firmeza. Ontem, as executivas do PMDB, PSD e PR fecharam questão a favor da a aprovação da emenda. O relatório final da proposta de limite dos gastos deve ser votado hoje na comissão especial da Câmara. No domingo, o próprio Temer pretende fazer um grande encontro para consolidar o apoio de sua base à PEC dos Gastos, para aprová-la em plenário na próxima segunda-feira. Por se tratar de emenda à Constituição, são necessários os votos de pelo menos 308 dos 513 deputados, em dois turnos. A previsão é aprovar a medida no Senado ainda este ano.
O governo espera um rombo em suas finanças de até R$ 170,5 bilhões neste ano, o que explica os juros nas alturas e a recessão, além da expansão da dívida pública. A base ainda não entendeu que está num barco que corre risco de naufrágio se não reduzir o rombo no casco e jogar carga ao mar. Sem aprovação do teto dos gastos, o país não recuperará sua credibilidade perante os investidores. Acontece que ainda não caiu a ficha de que o país não aguenta mais o nível de gastos do governo federal, ainda que os avisos venham de todos os lados, principalmente dos governos estaduais e prefeituras que estão entrando em colapso.
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…