O general falou mais do que deveria, quando poderia ficar calado. Mentiu sobre a participação de Mauro Cid nas reuniões com os comandantes militares
O barraco na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga os atos golpistas do 8 de janeiro, durante o depoimento do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, nesta terça-feira, evitou a discussão da convocação do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha.
Segundo o depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, em delação premiada, Garnier teria sido o único comandante militar a apoiar a proposta do então presidente Jair Bolsonaro de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e afastar o ministro Alexandre de Moraes do comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Mais uma vez, a reunião da CPMI foi marcada por bate-boca entre deputados. No depoimento do general Augusto Heleno, deputados e senadores bolsonaristas tumultuaram a reunião e interromperam várias vezes os parlamentares governistas. O presidente da CPMI, Arthur Maia (União-BA), para controlar o plenário, chegou a expulsar o deputado Abilio Brunini (PL-MT) da sessão.
O parlamentar já havia sido advertido nas sessões passadas por fazer piadas e interromper os colegas. Nesta terça-feira, interrompeu a deputada Duda Salabert (PDT-MG), que é transexual, e acabou irritando Maia, que normalmente é fleumático na condução dos trabalhos. “Tem gente que quer se promover às custas do bate-boca e da irritação. Tem gente que vem para a CPMI apenas para fazer o papel do palhaço”, disse Maia.
Mas o barraco acabou protagonizado pelo próprio depoente. O general Augusto Heleno chamou a deputada Salabert de “senhor”, depois de se irritar com a relatora da CPMI, senadora Eliziane Gama (PSD-MA).
Salabert havia questionado a atuação de Heleno no Haiti, que comandou a missão de paz da ONU, a cargo do Brasil, no combate e na eliminação das gangues que controlavam boa parte do território de Porto Príncipe. “Essa é uma afirmativa mentirosa. Se eu quiser, eu vou para a Justiça, processo o senhor e boto o senhor na cadeia”, declarou. No mesmo instante, Duda corrigiu o general: “É senhora”.
Com o tumulto, a reunião foi suspensa. Ao ser retomada, porém, Duda pediu a palavra e disse que o general havia se desculpado: “O general Augusto Heleno, quando eu entrei na sala, me pediu desculpas por ter me tratado no masculino”, disse. “A Câmara dos Deputados e o Congresso Nacional não são um quartel que o general pode mandar prender quem bem entender. Aqui nós estamos no contexto de democracia, e não de ditadura, a qual o senhor ajudou a construir em 1964”, completou Duda.
Foto desmente
O general Heleno acabou falando mais do que deveria, pois um habeas corpus lhe garantia o direito de permanecer calado. Mentiu sobre a participação de Mauro Cid nas reuniões com os comandantes militares. “Não existe essa figura do ajudante de ordens sentar numa reunião dos comandantes de Força e participar da reunião. Isso é fantasia. Isso é fantasia. É a mesma coisa essa delação premiada, ou não premiada, do Mauro Cid… Estão apresentando trechos dessa delação, e me estranha muito, porque a delação está ainda sigilosa, ninguém sabe o que o Cid falou”, declarou.
Imediatamente, nas redes sociais, surgiram fotos de uma reunião de Bolsonaro, em 25 de fevereiro de 2019, com o ministro da Defesa e os chefes de Marinha, Exército e Aeronáutica, nas quais aparecem Heleno e Mauro Cid. Uma delas, publicada no site do próprio governo, desmente Heleno: “Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante reunião com Fernando Azevedo, Ministro de Estado da Defesa; Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior, Comandante da Marinha do Brasil; General de Exército Edson Leal Pujol, Comandante do Exército Brasileiro; Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Carlos Moretti Bermudez, Comandante da Aeronáutica; Almirante Esq Cláudio Portugal de Viveiros, Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, Interino, e Alte Esq Almir Garnier Santos, Secretário-Geral do Ministério da Defesa”, diz a legenda.
Ex-comandante da Marinha, almirante Garnier é a bola da vez na CPMI, no lugar do general Braga Netto, ex- ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice de Bolsonaro, cujo depoimento já foi adiado duas vezes. Em tese, o ex-comandante da Marinha é um “homem ao mar” desde segunda-feira, quando o ministro da Defesa, José Múcio, se reuniu com o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e com os comandantes do Exército, general Tomás Ribeiro Paiva, e o da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Damasceno, para discutir os rumos da CPMI.
Embora tenham concluído que o depoimento de Garnier seria inevitável, a convocação do ex-comandante da Marinha não foi posta em votação pelo presidente da comissão. Nos bastidores, o próprio governo trabalha para jogar água fria na CPMI e evitar a convocação dos ex-comandantes, porque o acirramento do confronto entre bolsonaristas e governistas dificulta a pacificação nas Forças Armadas.
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