Nas entrelinhas: Bandeira amarela

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O presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula

O desfecho do romance O amor nos tempos do cólera, de Gabriel Garcia Marques, que descreve a paixão de dois amantes já idosos, Fermina Daza e Florentino Ariaza, é uma viagem de barco que não teria fim pelo rio Grande Madalena. Para burlar as autoridades náuticas e navegar sem passageiros, cargas ou malotes de correio a bordo, o expediente adotado por Florentino, dono da companhia de navegação, foi mandar hastear a bandeira amarela, o sinal de peste a bordo, que impedia a subida ou descida de qualquer pessoa na embarcação. “E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?”, indaga o rude comandante do navio. Florentino tinha a resposta preparada havia mais de 50 anos: “Toda a vida!”

A referência ao romance de Gabo obviamente tem a ver com o surto de febre amarela que chegou às regiões mais desenvolvidas e ricas do país, principalmente São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. O fracionamento das vacinas em cinco doses, com poder de imunização durante oito anos, é uma solução adotada com sucesso pela Organização Mundial da Saúde para enfrentar a epidemia nos países mais miseráveis da África. Do ponto de vista médico, é uma medida adequada para conter a epidemia, mas não para erradicá-la, pois somente a dose completa imuniza as pessoas por toda a vida. A febre amarela não tem nada a ver com a cólera, causada pela ingestão de água contaminada por fezes. É provocada pela presença crescente de macacos infectados nas áreas urbanas e transmitida por mosquitos.

A remissão à bandeira amarela e ao ir e vir sem fim do final do romance é uma alegoria. O Brasil vive um eterno vaivém de problemas, alguns dos quais imaginávamos resolvidos. Como a sífilis entre os adolescentes, a febre amarela está de volta e já matou 21 pessoas em São Paulo, sendo três em Mairiporã, onde 90% da população já foi vacinada. Na verdade, o fracasso das políticas públicas é um caldeirão prestes a explodir novamente, como em 2013, quando os jovens foram às ruas protestar por causa das péssimas condições do sistema de transportes, das escolas sem qualidade e da péssima assistência à saúde.

É o caso da segurança pública, por exemplo, cuja crise se generaliza. O próprio comandante do Exército, general Villas Boas, chama a atenção para o fato de que as sucessivas intervenções das Forças Armadas nos estados, principalmente a longa operação de defesa da lei da ordem no Rio de Janeiro, podem levar a infiltrações do tráfico de drogas na tropa. O recrutamento de ex-soldados por traficantes já existe; o general sabe disso. O colapso do sistema prisional em alguns estados, como Goiás, e do próprio aparelho de segurança, como aconteceu no Rio Grande Norte, tem a ver com a crise fiscal do estado, que se agrava a cada dia. É uma espécie de efeito Orloff em relação ao Rio de Janeiro: “Eu sou você amanhã”.

Incertezas
É nesse ambiente que iniciamos um ano eleitoral decisivo e, ao mesmo tempo, cada vez mais incerto. O assunto político do momento é o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 24 de janeiro, em Porto Alegre, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que pode referendar ou não a condenação a 9 anos e meio de prisão sentenciada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Caso o TRF-4 mantenha a decisão, Lula poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e ficar de fora das eleições de 2018. Acusado de receber R$ 3,7 milhões em propina da empreiteira OAS, em decorrência de contratos da empresa com a Petrobras, o petista nega o fato. O valor refere-se à suposta cessão pela OAS de um apartamento tríplex no Guarujá (SP) ao ex-presidente, às reformas feitas pela construtora no imóvel e ao transporte e armazenamento de seu acervo presidencial.

Ontem, o presidente do TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, passou o dia em Brasília reunido com autoridades para garantir a segurança dos magistrados que farão o julgamento de Lula. É o fim da picada uma situação como essa, pois vivemos numa ordem democrática. Mas é resultado também do coro dos políticos contra a Operação Lava-Jato e as autoridades do Judiciário, principalmente procuradores e juízes de primeira instância que investigam os crimes de colarinho branco. Os principais partidos brasileiros estão envolvidos nos escândalos investigados pela Lava-Jato e seus líderes foram denunciados pelos executivos da Odebrecht, JBS e outras grandes empresas, que desviam recursos de obras e serviços públicos para financiamento de campanhas eleitorais e a formação de patrimônio de muitos políticos e seus operadores. Querem hastear uma espécie de bandeira amarela e deixar a Lava-Jato numa quarentena eterna. A eventual condenação de Lula em Porto Alegre é uma ameaça para todos os políticos enrolados na Justiça, pois significa que ninguém estará acima da lei.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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