Qualquer enfraquecimento do presidente da República na opinião pública tem como contrapartida, em igual ou maior proporção, o fortalecimento do presidente da Câmara, Arhur Lira, que ora o apoia, ora faz oposição
A propósito da coluna sobre os 10 anos das manifestações de junho de 2013, um leitor em especial, amigo desde os tempos de estudante, fez dura crítica que merece ser registrada. Segundo ele, o texto seguiu a onda que naturaliza a Operação Lava-Jato, o Marco Temporal, o antipetismo, o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula como atos corriqueiros da democracia. Ombudsman de mim mesmo, preciso reconhecer que o arquiteto Pedro Da Luz Moreira, professor de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem razão. Não são fatos corriqueiros da democracia, suas consequências merecem mais reflexões. Feita a ressalva, vamos em frente.
Lula assumiu um governo em condições muito difíceis, devido à apertada vitória contra Bolsonaro, por uma diferença de apenas 1,8% dos votos válidos. Enfrenta uma oposição de extrema direita robusta, que tentou um golpe de Estado em 8 de janeiro, quando tomou os palácios da Praça dos Três Poderes.
Crise fiscal, inflação, desmonte das políticas públicas e um Congresso de expressiva maioria conservadora formam um cenário muito desafiador. Ainda mais para quem chegou ao segundo turno com um programa de esquerda, mas venceu com o apoio de forças de centro, minoritárias, porém, decisivas. Lula montou um governo de frente ampla, para formar uma base parlamentar majoritária, mas sem um programa mínimo pré-acordado. Conquistou a maioria do Senado, mas fracassou na Câmara, apesar de o PT ter apoiado a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Casa.
O Centrão, como diria o Cláudio Moacir, um velho político papa-goiaba, adotou a “tática do bigode” (na boca, mas do lado de fora). Essa situação na Câmara cria um ambiente politicamente volátil. Qualquer enfraquecimento de Lula na opinião pública tem como contrapartida, em igual ou maior proporção, o fortalecimento de Lira, que faz um movimento pendular — ora apoia, ora se opõe ao governo, independente de Jair Bolsonaro.
Na votação das propostas do governo, estabeleceu uma linha divisória tendo por referência a manutenção das reformas aprovadas nos governos Michel Temer e Bolsonaro, quando se trata da economia, e os interesses fisiológicos e patrimonialistas de seus aliados. Ou seja, a fronteira entre situação e oposição é muito sinuosa.
Apoio do centro
A Pesquisa Ipec/O Globo, divulgada na sexta-feira, mostra que um terço dos eleitores de Bolsonaro no segundo turno avaliam o governo Lula como regular, embora a maior parte desse grupo o classifique como ruim ou péssimo. Entre os eleitores do ex-presidente, 8% consideram o governo Lula ótimo ou bom; 33%, regular; 56%, ruim ou péssimo; e 2% não responderam. A maioria dos eleitores do ex-presidente (76%) desaprova a forma como Lula governa, mas 19% dizem aprovar. Os 5% restantes não sabem ou não responderam. Isso foi comemorado no Palácio do Planalto como um avanço em relação às linhas adversárias, ou seja, os eleitores de Bolsonaro.
Esse tipo de análise segue o padrão do copo pela metade, ou seja, depende do otimismo ou do pessimismo: uns acham que está quase cheio; outros, quase vazio. Entre os eleitores de Lula, 68% consideram seu governo ótimo ou bom; 27%, regular; 3%, ruim ou péssimo; e 2% não sabem ou não responderam.
Entre os que votaram em Lula, 88% dizem aprovar, 8% desaprovar e 4% não sabem ou não responderam. Com margem de erro de 2% para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%, o Ipec entrevistou 2 mil pessoas entre os dias 1º e 5 de junho.
O cientista político Antônio Lavareda destaca que o governo Lula é aprovado por 53% dos entrevistados e desaprovado por 40%, mas a queda em relação a março, quando tinha 57% de aprovação, serve de alerta. Esse é o “estado da arte” para uma avaliação do ambiente político. De um lado, o governo Lula avança com muitas dificuldades, algumas de natureza objetiva — como as restrições fiscais, o desemprego e a taxa de juros — e outras mais subjetivas — como a repercussão negativa de declarações do presidente da República e de alguns auxiliares.
De outro, os atos golpistas de 8 de janeiro e a revelação de fatos desabonadores ocorridos durante seu governo desgastam e enfraquecem Bolsonaro, além daqueles que determinaram sua derrota. E ainda há o risco de o ex-presidente ser considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Esse cenário também se reflete na pesquisa: 37% dos brasileiros classificam a terceira gestão de Lula como ótima ou boa; 32%, regular; 28%, ruim ou péssima. Os que não sabem ou não responderam são 3%. Lula oscilou dois pontos percentuais para baixo, passando de 39% para 37%. Já a reprovação oscilou dois pontos para cima, de 26% para 28%.
No primeiro levantamento, em 19 de março, a avaliação ótima ou boa de Lula era de 41%; 24% o reprovavam e 30% o viam como regular. Oscilação é normal para um governo que tem apenas seis meses. Melhor que a dos governos Temer e Bolsonaro no mesmo período, mas pior que as de FHC e Dilma.
Entretanto, Lula precisa inverter a direção dessa curva para cima. Perde precocemente o apoio político nas forças de centro, que deixaram de considerar Bolsonaro uma ameaça imediata, e buscam outras alternativas, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).