Nas entrelinhas: Aprovação do arcabouço mostra força de Lira e blinda Haddad

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O presidente da Câmara pretende ser o principal interlocutor do governo no Congresso, para ampliar sua base de sustentação na Câmara, com a incorporação do Centrão

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), reivindicou para si a vitória do governo na aprovação em plenário do novo arcabouço fiscal, na noite de terça-feira, com apoio de 372 deputados. Entretanto, apesar da grande votação, Lira advertiu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não compreendeu ainda que o Congresso adquiriu mais poder e não tem relação subalterna com o Executivo. Para bom entendedor, pingo é letra: o presidente da Câmara pretende ser o principal interlocutor do governo no Congresso, para ampliar sua base de sustentação na Câmara, com a incorporação do Centrão. Deseja mais controle sobre a execução do Orçamento da União e mais ocupação de espaços na Esplanada dos Ministérios.

“O Congresso está dando todas as oportunidades para o governo se estruturar de uma maneira racional. Todos têm que entender que o Congresso brasileiro conquistou maior protagonismo. É importante que o governo entenda que tem de participar do processo de discussão como participou o ministro Haddad”, disse Lira, após a aprovação do arcabouço fiscal. No mesmo dia, o governo liberou R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares, cujo montante chega a R$ 2,9% desde a posse de Lula.

O governo empenhou R$ 800 milhões para deputados, R$ 288,4 milhões para senadores e R$ 700 mil para as emendas das bancadas estaduais, que são mistas. Politicamente, a aprovação do novo arcabouço fiscal fortaleceu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e isolou os partidos de oposição ao governo, principalmente o PL, a maior bancada da Câmara. Entretanto, contingenciou a agenda econômica e social do governo.

A origem do novo arcabouço fiscal é a aprovação da chamada PEC da Transição, que determinou ao governo apresentar projeto de lei complementar para substituir o antigo teto de gastos. Naquele momento, antes mesmo da posse, ficou claro que Lula não teria sustentação política na Câmara sem o apoio de Lira, que era candidato à recondução à Presidência da Casa e recebeu os votos da bancada do PT. À época, havia quem discordasse da PEC, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), aliado de primeira hora de Lula e adversário figadal de Lira.

A âncora fiscal estabelece regras econômicas e fiscais que deverão ser obedecidas por Lula para governar entre 2023-2026. O teto de gastos, criado em 2016, no governo de Michel Temer, pelo então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, impediu o descontrole da economia, ao lado da meta de resultado primário (deficit ou superavit), fixada na Lei de Diretrizes Orçamentárias correspondente a cada ano; e do Artigo 167 da Constituição Federal, que obriga os governos a pedirem autorização do Congresso para emitir títulos da dívida pública em alguns casos, que continuam em vigor.

Falta um programa comum

Lula fez campanha eleitoral contra o teto de gastos, porque limitava demais os investimentos em infraestrutura e moradia e os gastos com educação e saúde. Além disso, por ter sido sucessivamente ultrapassada durante o governo Jair Bolsonaro, em razão da pandemia da covid-19, a regra estava meio desmoralizada. Sem entrar no mérito da discussão, a maior crítica feita ao novo arcabouço é o fato de flexibilizar os limites de gastos sem ter garantia de aumento de receita para isso.

A proposta aprovada não é a mesma apresentada inicialmente por Fernando Haddad, tem regras mais rigorosas, impostas ao governo durante as negociações do relator, Cláudio Cajado (PP-BA), com as bancadas dos partidos do Centrão e com o ministro da Fazenda. O PT votou a favor do arcabouço constrangido. Ao mesmo tempo que blindou os aumentos reais do salário mínimo e do Bolsa Família, por exemplo, o arcabouço restabelece o contingenciamento de gastos em razão da despesa disponível. O Fundo Constitucional de Brasília terá uma perda de R$ 87 bilhões em 10 anos, que seriam destinados à educação, à saúde e à segurança pública.

Por ironia, as mudanças do relator são música para a equipe econômica, mas desagradam bastante a área social do governo, pois limitam a margem de manobra orçamentária de Lula para implementar sua agenda. Ao mesmo tempo em que conseguiu isolar a bancada bolsonarista, o acordo de Lula com Lira contraria os setores de esquerda que o apoiaram. Os conservadores não pretendem aceitar algumas mudanças de estrutura de governo, como a extinção da Funasa e a ida do Coaf para a Fazenda, nem a revisão de propostas aprovadas durante os governos Temer e Bolsonaro, como a reforma trabalhista e o novo marco do saneamento.

O fato de Lula ter sido eleito sem um programa pactuado com as forças que o apoiaram no segundo turno, mas com uma agenda inspirada nos dois mandatos presidenciais anteriores, ou seja, de 2002 a 2010, complica a situação. Não há comprometimento com um projeto de governo comum entre as forças de centro-esquerda e de centro-direita que participam do governo. Cada ministro tem a sua agenda, que nem sempre é aceita pelos demais e, muitas vezes, não tem correlação de forças favorável à implementação no Congresso ou na sociedade.

O desgaste de Lula por causa de declarações infelizes dificulta a capitalização dos acertos do próprio governo, cujos ministérios atuam, muitas vezes, sem sintonia com a base parlamentar. Essa situação não pode perdurar, porque é o caldo de cultura para a narrativa da oposição e as eventuais derrotas no Congresso. Na verdade, o governo não tem uma narrativa eficaz e unificadora.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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