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Nas entrelinhas: Ao atacar Lula, Milei exuma rivalidade argentina

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Milei acusou Lula de corrupção e interferência nas eleições argentinas, dias antes de vir ao Brasil, para um encontro com Bolsonaro em Balneário Camboriú

Nem só de carne, vinho e futebol se faz a Argentina: los hermanos também são muito bons de cinema. Seus filmes nos ajudam a entender um pouco a alma dos vizinhos, principalmente as comédias, que ironizam a arrogância e a soberba portenhas. O Homem ao lado, de Mariano Cohen e Gáston Dupra, por exemplo, é uma excelente comédia sobre o comportamento de dois vizinhos. A disputa desnuda o abismo social entre ambos.

A arrogância e a soberba são as características do presidente argentino, Javier Milei, na sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou a ser atacado pelo chefe de Estado do nosso principal vizinho. As acusações foram feitas no X, direcionada ao “perfeito dinossauro idiota”, cujo nome ele não revelou, mas trata-se de uma referência a Lula, que é citado no texto.

Na postagem, Milei insiste que a tentativa de golpe de Estado na Bolívia na semana passada, que fracassou, foi uma armação. O presidente argentino também afirma que havia “falado a verdade” sobre Lula, depois que o brasileiro, em entrevista, condicionou um encontro com Milei a um pedido de desculpas por parte do argentino. “Não conversei com o presidente da Argentina porque acho que ele tem que pedir desculpas ao Brasil e a mim. Ele falou muita bobagem. Só quero que ele peça desculpas”, disse.

Milei se recusa a isso. Já havia atacado Lula pela emissora LN , do jornal La Nacion: “Desde quando é preciso pedir perdão por dizer a verdade?”, questionou. “É porque o chamei de corrupto? Por acaso não foi preso por corrupção? É porque o chamei de comunista? Por acaso não é comunista?”

Milei afirmou também que o brasileiro interferiu fortemente na campanha eleitoral ao apoiar Sergio Massa nas eleições presidenciais argentinas, “a campanha mais suja da história”. Até agora, o Palácio do Planalto evitou responder aos ataques, mas é muito improvável que Lula não dê o troco. Milei resolveu não ir à cúpula do Mercosul em Assunção, no Paraguai, no próximo domingo, mas vai à Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), no próximo fim de semana, em Balneário Camboriú (SC).

Segundo o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o ex-presidente Jair Bolsonaro se reunirá com Milei, cuja palestra está prevista para sábado. Ou seja, o circo está armado para aprofundar a crise diplomática entre Brasil e Argentina. Milei esteve na edição do fórum realizada em 2022 no Brasil; em fevereiro deste ano, compareceu à edição nos Estados Unidos, quando conversou com o ex-presidente Donald Trump.

É muita deselegância, para dizer o mínimo, um ataque como esse de Milei a Lula às vésperas de sua visita ao Brasil, completamente fora do protocolo das relações formais entre chefes de Estado, ainda mais sendo dois países vizinhos. Do ponto de vista das relações bilaterais, representa um enorme retrocesso.

Vaca Muerta

As relações entre o Brasil e a Argentina nem sempre foram pacíficas, como na guerra Cisplatina (1825-1828); às vezes, foram estreitas demais, como durante a Operação Condor, na segunda metade dos anos 1970, na qual houve estreita colaboração entre regimes militares dos dois países contra oposicionistas. No governo Sarney, a cooperação entre os dois países se intensificou. Essa aproximação resultou na formação do Mercosul, em 1991, durante o governo Collor.

O Mercosul é a sigla para Mercado Comum do Sul, bloco econômico composto atualmente por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela (suspenso). Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana, Suriname e Bolívia são países associados. O grande objetivo do Mercosul é o acordo comercial com a União Europeia, cada vez mais difícil, por causa da resistência dos agricultores da França. Milei quer implodir o acordo de vez e boicota o Mercosul.

A parceria comercial entre o Brasil e a Argentina é muito importante, os dois países compartilharam seus segredos nucleares desde 1991 e mantêm a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC). A corrida nuclear foi superada pela confiança mútua.

Desde então, o período de maior distanciamento entre os dois países foi entre 10 de dezembro de 2019 — posse do ex-presidente argentino Alberto Fernández — e 31 de dezembro de 2022 — último dia de governo Bolsonaro. Durante três anos, os dois presidentes nunca se reuniram, por razões ideológicas.

Com a eleição de Lula, o Brasil formalizou o financiamento para a construção de um gasoduto entre a reserva argentina de Vaca Muerta, a segunda maior jazida de gás de xisto e a quarta de petróleo não convencional do mundo, até o Sul do Brasil. Agora, porém, com Milei, o projeto subiu no telhado.

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