A dois anos das eleições de 2018, as dificuldades para aprovação de medidas de ajuste nas finanças estaduais são grandes
Uma das causas da hiperinflação dos anos 1980 foi a crise de financiamento do setor público, que vinha sendo empurrada com a barriga, até que a economia entrou num beco sem saída. O ajuste fiscal do Plano Real, com a federalização das dívidas dos estados, foi o remédio amargo que possibilitou a estabilização da economia e o restabelecimento da responsabilidade fiscal. Mesmo assim, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e quase todo o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alguns estados e municípios andaram no fio da navalha. Até que o oba-oba do crescimento anabolizado graças ao crédito fácil e ao endividamento das famílias, na expectativa da exploração do pré-sal, pôs tudo a perder, principalmente, a partir da “nova matriz econômica” adotada no segundo mandato de Lula e no governo de Dilma Rousseff. O resultado é uma recessão encruada e o colapso dos governos estaduais que se entusiasmaram com as promessas federais e não fizeram o dever de casa.
Essa situação amarra a economia por baixo, por causa do colapso dos governos estaduais e prefeituras. O exemplo é o Rio de Janeiro, que apostou no pré-sal e aceitou a mudança do regime de concessão para o de partilha na exploração de petróleo. O estado puxa para baixo a economia do país e não tem a menor condição de sair do atoleiro em que se encontra sem ajuda federal, em vez de alavancar a retomada do crescimento. Como na década de 1980, a crise de financiamento do setor público em nível estadual chegou ao limite. O recrudescimento das pressões sobre o governo federal para que assuma as dívidas ou libere recursos para os estados, num momento em que todo o esforço é combater o deficit público, está por trás de desconfiança do mercado e da inibição dos investimentos.
Ontem, o presidente Michel Temer e integrantes da equipe econômica anunciaram que o governo vai transferir recursos aos estados. Pretende dividir a multa proveniente da regularização de ativos no exterior, a chamada “repatriação”. A intenção do governo era dividir somente a parcela proveniente do imposto devido na regularização de ativos, mas não a multa. O recuo é consequência também de uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), que estendeu para outros 21 estados e para o Distrito Federal, por meio de decisões liminares (provisórias), a ordem para que a União deposite em uma conta judicial um valor maior do que o previsto inicialmente da cota que têm direito da arrecadação obtida com a regularização de bens mantidos por brasileiros no exterior.
O governador de Santa Catarina, Raimundo Collombo, anunciou que os governadores vão retirar as ações no Supremo Tribunal Federal (STF). Em troca, se comprometem a apoiar a reforma da Previdência e o ajuste fiscal. O governo já havia depositado em juízo os R$ 5 bilhões por conta da determinação do STF. Os recursos serão divididos de acordo com as regras do Imposto de Renda, mas os governos estaduais deverão aumentar de 11% para 14% a contribuição de servidores para a Previdência Social. No começo da noite, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em coletiva, propôs um pacto de austeridade, no qual estão incluídos o teto dos gastos públicos e a reforma da Previdência em nível estadual.
Mas isso não resolve o problema. A situação dos estados permanecerá insustentável se não houver uma reforma patrimonial, com a venda de ativos, e um enxugamento da máquina pública, que precisa se livrar dos penduricalhos e focar mais nas atividades básicas, como educação, segurança e saúde. Na década de 1990, a conta da crise dos estados chegou a US$ 100 bilhões, mas havia bancos e empresas estatais a serem privatizados. Agora, não existe mais esse tipo de ativo. A maioria dos estados não tem nem bancos, nem empresas estatais para cobrir o rombo e financiar as aposentadorias. Chegou-se ao fundo do poço. Os estados receberam da União cerca de R$ 120 bilhões no ano passado, para tapar o rombo. O dinheiro foi empregado no pagamento de servidores, aposentados e pensionistas. Agora, esse será o mesmo destino dos recursos obtidos com a chamada “repatriação”. Ou seja, nada estará resolvido. A folha de pagamento dos estados e do Distrito federal, nos últimos seis anos, subiu 96,6%.
O mais grave é que não existe sustentação política e base social para os ajustes nos estados, por causa da forte reação das corporações com poder de pressão — principalmente a magistratura, o aparelho de segurança e a máquina arrecadadora — e da grande massa de servidores públicos. O instrumento de pressão é a paralisação dos serviços públicos, principalmente na educação e na saúde, não importa que a população seja ainda mais sacrificada, num momento em que a recessão aumenta a demanda por serviços públicos. Como a maioria dos políticos está a dois anos das eleições de 2018, as dificuldades para aprovação de medidas de ajuste nas finanças estaduais são grandes. Vêm aí muitas emoções.
O presidente brasileiro defendeu a taxação de operações financeiras de super-ricos, para financiar o combate…