O xis da questão é a discussão sobre a competência de um juiz de primeira instância para determinar prisões e operações de busca e apreensão nas dependências do Senado
O presidente Michel Temer jogou água fria na fervura da crise armada em razão da prisão de quatro agentes da Polícia Legislativa nas dependências do Senado, na semana passada, por ordem do juiz Vallisney Souza de Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal. Conversou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no domingo e ontem, novamente, para acalmá-lo e evitar uma escala de confronto com o Judiciário e o próprio Executivo. Também conversou com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, convidando-a para uma reunião na Presidência, hoje, com Renan, a pretexto de discutir a crise do sistema prisional e o aumento da violência no país. A ministra não aceitou o convite.
Renan saiu do sério na entrevista de segunda-feira, quando chamou Vallisney de “juizeco de primeira instância” e o ministro da Justiça, Alexandre Moraes, de “chefete de polícia”, por causa das suas declarações que endossaram a ação da Polícia Federal. Na manhã de ontem, foi a vez da presidente do STF dar um chega pra lá em Renan. Cármem Lúcia defendeu os juízes de primeira instância e disse que as declarações do presidente do Senado atingiam toda a magistratura, inclusive ela. Mais tarde, Renan rebateu as declarações da presidente do Supremo: “Concordo com ela, tenho consideração e respeito pela ministra, que tem todas as virtudes para conduzir o Judiciário neste momento delicado do país. Mas avalio que faltou a condenação da usurpação da competência do Supremo pela 1ª instância.”
Chumbo trocado não dói, diz-se na política, mas a relação entre os poderes da República não pode funcionar assim. No Palácio do Planalto, a ordem do presidente Temer foi apagar o fogaréu. Orientou ao ministro da Justiça a parar com os comentários, que são a sua maior fonte de desgaste político, porque fala mais do que deveria, sobretudo sobre ações da Polícia Federal. Moraes nada poderia fazer para impedir a ação determinada pelo juiz. Ou seja, não tem responsabilidade pelo que aconteceu, mas paga pela incontinência verbal.
O xis da questão é a discussão sobre a competência de um juiz de primeira instância para determinar prisões e operações de busca e apreensão nas dependências do Senado. Ontem, o policial legislativo Antônio Tavares dos Santos Neto, um dos que fora preso, pediu ao Supremo a anulação da Operação Métis, que apura a suposta tentativa de embaraçar as investigações da Operação Lava-Jato. Policiais legislativos são suspeitos de prestar serviços de contrainteligência a senadores investigados pela PF. Nesse aspecto, Renan está amparado pela Constituição e pela jurisprudência do próprio Supremo.
Por exemplo, ontem, a Segunda Turma do STF anulou a validade de provas obtidas em gravações telefônicas envolvendo o ex-senador Demóstenes Torres nas Operações Vegas e Monte Carlo, entre 2008 e 2012, para investigar negócios do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Acompanharam o relator do caso, ministro Dias Toffoli, os ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Gilmar Mendes. No entendimento unânime da turma, houve “usurpação de competência” do STF. Demóstenes teve ligações interceptadas por determinação de um juiz de primeira instância. Senadores e deputados federais só podem ser investigados pelo Supremo.
Clima de tensão
Nada disso explica, porém, o destempero das declarações de Renan Calheiros, que costuma ser um político frio, hábil na condução de crises. Nos bastidores do Congresso, há duas versões sobre sua reação. A primeira seria de que trabalha para a demissão do ministro Alexandre de Moraes, de olho na pasta da Justiça, cargo que já ocupou no governo de Fernando Henrique Cardoso, para quando deixar a presidência do Senado, em fevereiro do próximo ano. Sua reação pareceu um ultimato para que Temer demitisse o ministro. A segunda versão é de que reage a um cerco policial, com objetivo de forçar sua prisão por tentativa de obstrução da Justiça, o que já foi tentado três vezes pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Ocorre que a prisão dos agentes foi solicitada pela Polícia Federal.
Suas atitudes, entretanto, podem ser parte de uma estratégia em curso no Congresso para barrar a Operação Lava-Jato, que atingiu um novo patamar com a conclusão da delação premiada de Marcelo Odebrecht e mais 40 executivos da empreiteira. A delação desnudaria um dos maiores esquemas de superfaturamento, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, enriquecimento ilícito e financiamento ilegal de campanha do mundo, atingindo os principais partidos do país. Renan, ao denunciar o abuso de autoridade, estaria em linha com as atitudes de outros atores importantes do debate sobre a Lava-Jato, do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já é réu em três processos.
No Congresso, estão em discussão 10 medidas contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Entre as medidas, a criminalização do caixa 2 eleitoral. Uma forte articulação liderada pelos políticos envolvidos nas denúncias da Lava-Jato, porém, força a aprovação de uma anistia para quem admitir a prática de caixa 2 nas eleições passadas e de medidas contra o abuso de autoridades, com punições para delegados, promotores e juízes que se exorbitarem nas funções.