O périplo pelo Nordeste para melhorar a imagem de Bolsonaro foi um tiro no pé. Ontem, inaugurou um novo trecho da transposição do Rio Francisco com tanta pressa que não deu tempo de a água chegar.
O Centrão está com pressa. As coisas não vão bem para o presidente Jair Bolsonaro no Nordeste, reduto dos principais caciques do PP, principalmente o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PI), e o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), que resolveram pôr em pauta no Congresso o que consideram prioridades do governo neste ano eleitoral. É uma agenda para “passar a boiada”, como diria o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, flagrado autorizando a venda de madeira ilegal pelas autoridades dos Estados Unidos. O PP quer apagar a luz e desembarcar do governo, na campanha eleitoral, antes que seja tarde demais.
Na pesquisa Genial/Quaest, divulgada ontem, os números são péssimos para o presidente no Nordeste: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 61% de intenções de voto no primeiro turno, enquanto Bolsonaro tem 13%. Ciro Gomes vem logo atrás, com 8%. Sergio Moro tem 3%; João Doria e André Janones, 2%; e Simone Tebet, 1%. Mesmo com o Auxílio Brasil, a capacidade de pagar as contas piorou para 64% dos eleitores da região.
O périplo pelo Nordeste programado por Bolsonaro para melhorar sua imagem pode ter sido um tiro no pé. Na terça-feira, em Salgueiro (PE), onde participou de uma jegueada, comentando sua relação com o sogro cearense, revelou um preconceito sem noção em relação aos nordestinos: “Eu sempre me referi com os amigos, né, cabra da peste, pau de arara. Eu me chamo de alemão também, sem problema nenhum. Arataca, cabeçudo, pô, é isso aí, valeu!”
Ontem, inaugurou um novo trecho da transposição do Rio Francisco com tanta pressa que não deu tempo de a água chegar. O secretário de Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte, João Maria Cavalcanti, explicou que o volume de águas liberado na Barragem de São Gonçalo, na Paraíba, ainda levará mais dois dias percorrendo a bacia do Rio Piranhas-Açu. No momento da inauguração, para frustração dos presentes e irritação de Bolsonaro, a água ainda nem havia chegado a São Bento, na Paraíba, que fica a 20 quilômetros do Rio Grande do Norte. O projeto de transposição foi iniciado em 2007, por Lula.
Em Salgueiro, Bolsonaro já havia passado pelo constrangimento de ser cobrado pelo fato de a cidade estar sem água há 18 dias, segundo o vice-prefeito Edilton Carvalho. São ossos de uma pré-campanha onde os políticos nordestinos começam sua migração para Lula. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), desafeto de Arthur Lira, já está defendendo o apoio do seu partido ao petista no primeiro turno, caso a pré-candidatura de Tebet não decole.
É esse tipo de pressão que faz o Centrão priorizar uma agenda maldita no Congresso. Segundo o Diário Oficial da União publicado ontem, o governo quer aprovar no Congresso mudanças no ICMS sobre combustíveis, liberação da posse e porte de armas de fogo, facilitação das licenças ambientais, autorização para mineração nas terras indígenas e nas faixas de fronteira, retaguarda jurídica para homicídios praticados por policiais, integração do ProAgro e do Prêmio Seguro Rural. É uma corrida contra o tempo, que estabelece um claro divisor de águas no Congresso entre os aliados de Bolsonaro e a oposição.
Pandemia
Na vida banal, a pandemia de covid-19 continua fora de controle. Ontem, foram registrados 1.264 óbitos e 178.814 novos casos em 24 horas, segundo o (Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Na terça-feira, 1.189 mortes e 177.027 casos. A escala de propagação da doença está impactando o número absoluto de mortes diárias, embora a variante ômicron seja considerada menos letal. O afrouxamento das medidas de distanciamento social é a principal causa do grande número de infectados. Já o número de mortes tem relação direta com os não-vacinados, a maioria dos que estão intubados nas UTIs. Esse cenário já estava previsto pelos sanitaristas e é resultado da campanha negacionista patrocinada por Bolsonaro e do atraso na vacinação das crianças, provocado pelas manobras do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Mesmo assim, Bolsonaro continua afirmando que acertou na pandemia. A lógica permanece a mesma: apostar na imunização de rebanho para evitar que a economia seja prejudicada. Não é o que está acontecendo. Num país de dimensões continentais como o Brasil, sem vacinação em massa, é impossível conter a pandemia porque ela se propaga pelo território de forma desigual — e sofre mutações genéticas, como já acontece, inclusive, com o vírus da ômicron.