“Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras”
Nos dois dias que passou em Brasília, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, mudou a rotina do prédio da quadra de deputados onde tem apartamento funcional, com a grande movimentação de pessoas a partir das cinco horas da madrugada, já em pleno horário de verão. Participou das comemorações dos 30 anos da Constituição, reuniu-se com os presidentes do Supremo Tribunal Federal e com os ministros do Superior Tribunal de Justiça, trocou figurinhas com o presidente Michel Temer e incorporou à transição dois futuros ministros, o juiz federal Sérgio Moro, que comandará um superministério da Justiça, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), que assumirá o Ministério da Agricultura sem o pepino do meio ambiente.
Bolsonaro ainda está enrolando o paraquedas. Muito das declarações desencontradas do novo presidente da República e de seus ministros revela dificuldades operacionais futuras. Deve ser até angustiante, principalmente para os generais que compõem seu estado-maior, constatar a desorganização da tropa. Militares têm regras rígidas de “apronto operacional” e “aprestamento pessoal”. No manual, uma tropa “só pode ser considerada adestrada quando dispuser de homens prontos para serem empregados no mais curto espaço de tempo a partir do momento em que for acionada”. Por enquanto, Bolsonaro está muito longe disso. O mais provável é que isso nunca aconteça, pois o governo não é uma unidade militar, é uma organização civil, ainda que com forte presença de militares.
Todo governante assume o mandato cheio de energia e disposição de pôr a tropa na rua; quer dizer, o bloco na rua. Lembro-me do começo do governo de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, eleito em 1982, num tsunami, como o que aconteceu agora no Brasil. No primeiro dia de mandato, o governador madrugou no Palácio Guanabara, para desespero dos repórteres que cobriam a administração estadual. Na primeira coletiva, disse que chegaria com os passarinhos. O repórter Ernesto Rodrigues, desde aquele dia, passou a anotar o horário de chegada de Brizola. Ao fim dos 100 primeiros dias de administração, quando geralmente acaba a lua de mel com a imprensa, o jornalista emplacou a manchete do Globo: “Brizola já não chega com os passarinhos”. Houve dias em que o governador nem sequer apareceu no seu gabinete, despachou do próprio apartamento, em Copacabana.
Palácios de governo são “jaulas de cristal”. O governante é cercado pelos áulicos e se isola da sociedade, mas muito do que acontece nos bastidores do seu gabinete acaba chegando à opinião pública. Árbitro de disputas constantes no interior de sua equipe, isso acaba agravando a solidão do poder, pois tudo o que um governante fala e decide acaba pondo mais lenha na fogueira das rivalidades, intrigas e idiossincrasias dos integrantes de sua equipe. Antes mesmo de tomar posse, a disputa se instala: primeiro entre a tropa de assalto, aqueles que chegaram primeiro e carregaram nas costas a campanha eleitoral, e a tropa de ocupação, os que foram chamados a compor a equipe por serem supostamente mais capazes de exercer as funções técnicas de governo.
Pelo Twitter
Divergências na equipe são a parte mais complicada. Muito da crise que levou à renúncia o presidente Jânio Quadros, segundo relato do jornalista Carlos Castelo Branco, que foi assessor de imprensa dele, foi consequência das disputas e intrigas entre José Aparecido e Raul Riff, dois colaboradores íntimos do presidente da República. Na equipe de Bolsonaro, o chefe da transição, Onyx Lorenzoni, e o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, superpoderosos, são dois fios desencapados. Não foi à toa que o general Augusto Heleno, homem acostumado a comandar gente da casca grossa, foi deslocado do Ministério da Defesa para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Apesar de militar, já é o algodão entre os cristais.
O maior embate no interior do novo governo, provavelmente, será com a alta burocracia federal, que votou em massa em Bolsonaro, mas espera recompensas. Políticos se movem pela ética das convicções, quem zela pela legitimidade dos meios, ou seja, a ética da responsabilidade, é a burocracia. Ao defender a reforma fiscal, o enxugamento do governo e a reforma da Previdência, Bolsonaro desperta o mais profundo corporativismo entre os servidores públicos. Além disso, o exercício do poder exige paciência e muita reflexão; o voluntarismo pode ser desastroso. Não é possível governar só pelo Twitter. O tipo de comunicação que adotou na campanha, por exemplo, nem sempre funciona na gestão pública, em que os binômios “comunicar-executar” e “executar-comunicar” se alternam de acordo com as circunstâncias.