Nas entrelinhas: Abuso de poder econômico

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Os doadores individuais poderão contribuir com até 10% dos rendimentos brutos; em contrapartida, a autodoação é ilimitada, ou seja, candidatos endinheirados ficarão em grande vantagem

A reforma política que vigorá nas eleições de 2018 foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso para garantir a sobrevivência dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato. Além do fim das coligações (a partir de 2020) e da cláusula de barreira progressiva (a partir de 2018), para acabar com a proliferação de partidos, o que é positivo, foram criados mecanismos de financiamento que vão dificultar ao máximo a renovação política e engessar a democracia brasileira. Os caciques dos partidos terão a chave do cofre para garantir a reeleição dos atuais senadores e deputados em campanhas milionárias, financiadas com recursos públicos da ordem de R$ 1,7 bilhão na campanha do próximo ano. Segundo o líder do governo, senador Romero Juca (PMDB-RR), o montante “não é demais para se ter democracia no Brasil”.

Mesmo assim, poderia ser pior. Há 40 anos, o então presidente Geisel, que havia perdido o controle da distensão nas eleições de 1974 (a oposição elegeu16 das 22 senadores), surpreendido pela crise do petróleo, estava preocupado com as eleições de 1978, principalmente para governador, que deveriam ser diretas. Como a Arena, o partido do governo, não tinha os 2/3 de votos necessários para emendar a Constituição, a pretexto de que o MDB estava obstruindo a reforma do Judiciário, Geisel fechou o Congresso e baixou um conjunto de medidas para barrar o crescimento da oposição e institucionalizar uma “democracia relativa” no regime militar.

Baixou 14 emendas e três novos artigos constitucionais e seis decretos-leis, mudando a Constituição. O chamado “Pacote de Abril” estabeleceu eleições indiretas para governador; sublegendas, em número de três, na eleição direta dos senadores; ampliação das bancadas que representavam os estados menos desenvolvidos, nos quais a Arena costumava obter bons resultados eleitorais; prorrogou a Lei Falcão para restringir a propaganda eleitoral no rádio e na televisão; alterou o quorum de 2/3 para maioria simples para a votação de emendas constitucionais pelo Congresso; e ampliou o próprio mandato presidencial de cinco para seis anos. Nada disso, porém, impediu novo avanço da oposição nas eleições de 1978.

Controle

Na reforma agora aprovada, os políticos que hoje controlam o Congresso foram privilegiados. Os recursos do fundo bilionário serão assim distribuídos: 2% igualmente entre todos os partidos; 35% entre os partidos com pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, proporcionalmente aos votos obtidos por eles na última eleição para a Câmara dos Deputados; 48% entre os partidos na proporção do número de deputados na Câmara em 28 de agosto de 2017; 15% entre os partidos na proporção do número de senadores em 28 de agosto de 2017. Em tese, cada deputado vale R$ 1,59 milhão; um senador, R$ 3,1 milhões. Essa é a “bolsa eleitoral” do troca-troca partidário.

Tudo sob medida para institucionalizar o abuso de poder econômico na campanha, ao estabelecer o limite total de gastos de cada candidato à Presidência da República em R$ 70 milhões; se houver segundo turno, 50% desse valor, ou seja, R$ 35 milhões. Os limites de gastos para as campanhas de governador serão de R$ 2,8 milhões, nos estados com menos eleitores, a até R$ 21 milhões, nos grandes estados; para senador, o limite variará de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões; para deputado federal, R$ 2,5 milhões; e deputado distrital e estadual, o limite será de R$ 1 milhão — independentemente do estado. A arrecadação de recursos para a campanha poderá começar em 15 de maio. Os doadores individuais poderão contribuir com até 10% dos rendimentos brutos no ano anterior à eleição; em contrapartida, a autodoação é ilimitada, ou seja, candidatos endinheirados ficarão em grande vantagem. Dificilmente esses dispositivos serão vetados pelo presidente Michel Temer.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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