“Findada essa novela do caso Battisti, o Brasil precisa encarar a sua própria realidade. A crise de segurança pública no Ceará continua, desafiando as autoridades, com dezenas de atentados”
Cesare Battisti ficará preso na Sardenha, uma ilha belíssima, num presídio de segurança máxima, cujas celas não permitem observar o horizonte no mar Mediterrâneo. É o fim de uma novela diplomática e jurídica, alimentada em razão de uma decisão equivocada do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não aceitou o pedido de extradição feito pelo governo italiano e concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por ironia, Lula acabou tendo de cumprir pena primeiro que o ex-terrorista italiano, condenado à prisão perpétua por quatro homicídios.
O refúgio político concedido a Battisti pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro, foi o clímax da glamourização da luta armada pelo PT e por outros setores da esquerda brasileira durante sua passagem pelo poder. A conta chegou com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência. Battisti praticou seus crimes quando a democracia italiana vivia uma grave crise, que resultou no assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro, o democrata-cristão que negociava um acordo que poderia levar os comunistas italianos liderados por Enrico Berlinguer a compartilhar o poder, o chamado “compromisso histórico”. Foi sequestrado e morto por militantes das Brigadas Vermelhas, organização terrorista de ultra-esquerda, como o partido ao qual Battisti dizia pertencer, Proletários Armados pelo Comunismo.
A chegada de Battisti à Itália, num voo direto de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para Roma, foi comemorada pelos italianos como uma vitória da Justiça e da democracia. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, é um líder populista de direita, mas a extradição do ex-terrorista também era reivindicada por todos os seus antecessores. Trata-se de um inimigo público do Estado democrático italiano. Só aqui no Brasil, existem setores que acreditam na inocência do ex-terrorista. Evo Morales, por exemplo, o socialista indígena que preside a Bolívia, não caiu nessa. Despachou Battisti sem sequer abrir um processo de extradição.
Posse de armas
Findada essa novela, o Brasil precisa encarar a sua própria realidade. A crise de segurança pública no Ceará continua, desafiando as autoridades. O governador Camilo Santana reluta em fazer o que já deveria ter feito: solicitar uma operação de “garantia da lei e da ordem”, para que as Forças Armadas possam intervir no estado, considerado um “território vermelho” no Palácio do Planalto. Se o fizer, é óbvio que terá ajuda do presidente Jair Bolsonaro, mas isso significará também uma confissão de fracasso. Enquanto isso não acontece, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, é aconselhado a ir devagar com andor e não se expor na crise cearense. Ou seja, quem pariu Mateus que o embale!
Bolsonaro deve assinar hoje o decreto que flexibiliza a posse de arma pelos cidadãos, com prioridade para os moradores de regiões rurais e comerciantes que desejarem reforçar a própria segurança em seus estabelecimentos. A medida é uma promessa de campanha e, do ponto de vista político, significa uma entrega. Mas não é isso que vai resolver a crise nos presídios, da qual o caso do Ceará é apenas a ponta de um iceberg. O recado dos chefões do tráfico de drogas é de que não vão aceitar suas transferências para presídios federais de segurança máxima sem retaliação. O crime organizado no Brasil é comandado de dentro das prisões. Todos os governadores assumiram prometendo resolver o problema endurecendo as condições carcerárias, mas já mudaram de assunto e estão voltando atrás, por causa da crise cearense.
Com o tempo, veremos as consequências da facilitação da posse de arma do ponto de vista da violência, principalmente no trânsito, nos bares e nas brigas de casais; de igual maneira, a estratégia de endurecimento das penas, outra política que está para ser anunciada, que tem como gargalo a superlotação dos presídios. Uma coisa é certa: o combate ao crime organizado exigirá respostas positivas do novo governo. O ministro Sérgio Moro está na berlinda. Uma das dificuldades é a situação do próprio sistema de segurança pública. Vejam o Rio de Janeiro: boa parte do trabalho realizado pelos interventores militares foi por água abaixo depois que o governador Wilson Witzel (PSC) separou em duas a Secretaria de Segurança Pública, elevando o status do comandante da Polícia Militar e do chefe de polícia.
O trabalho de racionalização e integração do sistema de segurança novamente foi subordinado aos interesses corporativos. O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) continua sem solução. O atentado sofrido, domingo, pela deputada Marta Rocha (PDT), delegada de carreira e ex-chee de polícia fluminense, merece muita atenção. A polícia investiga o caso como possível tentativa de latrocínio, mas havia uma denúncia de que um atentado seria praticado contra a parlamentar, que somente não morreu porque providenciou a compra de um carro blindado. Não se fala mais em milícias no Rio de Janeiro, é corda em casa de enforcado.