Nas entrelinhas: A pressão dos governadores

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‘O lado mais fraco são os trabalhadores do setor privado. Há dois motivos: primeiro, o desemprego em massa, que os mantêm acuados; segundo, o fim do imposto sindical, que quebrou a maioria dos sindicatos’

Cresce a pressão de governadores e prefeitos para que a reforma da Previdência inclua estados e municípios, matando todos os coelhos com uma só cajadada no Congresso. Somente os governadores da Bahia, Rui Costa (PT), e do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), não assinaram carta contra o fatiamento da reforma entre entes federados. Mesmo assim, Dino discorda da proposta do governo, mas também é contra uma reforma que não inclua todos: “Essa reforma que está tramitando eu não apoio. Precisa melhorar muito. Em melhorando, é claro que regime previdenciário dos servidores tem que ser para todos. Inclusive militares. Existirem milhares de regimes previdenciários diferentes no Brasil seria, aí sim, uma balbúrdia jurídica”, pondera.

O relator da reforma da Previdência, Samuel Moreira (PSDB-SP), trabalha para elaborar seu relatório neste fim de semana e apresentá-lo na segunda ou terça-feira à Comissão Especial da Câmara que apreciará o projeto. Sua dificuldade é conseguir elaborar um substitutivo que forme maioria no plenário, sem descaracterizar a reforma original, o que não é nada fácil. Foram apresentadas mais de 400 emendas. Deputados têm feito pressão para que estados e municípios fiquem fora do texto, porque não querem arcar sozinhos com o desgaste político de aprovar uma matéria considerada impopular. Segundo Samuel Moreira, se os estados ficarem fora do texto, os governadores que queiram sanear as finanças estaduais terão de aprovar uma proposta própria de reforma da Previdência nas assembleias legislativas.

Na carta que divulgaram ontem, os governadores argumentam que aprovar uma regra local, no estado, dificulta a uniformidade para o território nacional e é um obstáculo para a efetivação de normas. Eles também afirmam no documento que o regime de Previdência é “substancialmente deficitário”, constituindo uma das causas da “grave crise fiscal enfrentada pelos entes da Federação”. Segundo a carta, “o deficit nos regimes de aposentadoria e pensão dos servidores estaduais, que hoje atinge aproximadamente R$ 100 bilhões por ano, poderá ser quadruplicado até o ano de 2060, conforme estudo da Instituição Fiscal Independente — IFI, do Senado Federal”. O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), é um dos principais articuladores da carta, em dobradinha com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Há uma dupla esperteza dos deputados que se opõem à inclusão de estados e municípios na reforma: de um lado, se livram das pressões dos sindicatos de servidores estaduais e municipais dos seus respectivos estados (a maior concentração de servidores federais está localizada em Brasília e no Rio de Janeiro, ex-capital federal); de outro, no caso dos que vão disputar eleição como candidatos de oposição, põem uma saia justa nos governadores e prefeitos adversários, às voltas com despesas cada vez mais elevadas para pagar aposentados e pensionistas. Em alguns estados, como Rio de janeiro, Minas e Rio Grande Sul, já houve o colapso do sistema previdenciário.

Lobbies
A aprovação do relatório de Samuel Moreira pela Comissão Especial será um jogo de xadrez. Existem outros lobbies atuando para mitigar a reforma no setor público. Magistrados e procuradores têm enorme poder de pressão sobre o Congresso; de igual maneira, corporações poderosas do Executivo, como auditores-fiscais, delegados federais e professores universitários. Mesmo categorias sem o mesmo status político na alta burocracia, como os agentes penitenciários, trabalham intensamente nos bastidores do Congresso para não perder privilégios. No âmbito das categorias estaduais, policiais militares e civis, professores e pessoal da saúde exercem enorme pressão sobre suas respectivas bancadas. Todos organizam caravanas a Brasília para pressionar o Congresso.

O lado mais fraco da moeda são os trabalhadores do setor privado, que têm mais dificuldades de mobilização. Há dois motivos: primeiro, o desemprego em massa, que os mantêm acuados; segundo, o fim do imposto sindical, que quebrou a maioria dos sindicatos e centrais sindicais. Para de fato acontecer, a greve geral que está sendo convocada pelas centrais sindicais para o dia 14 de junho dependerá, sobretudo, da paralisação dos serviços de transporte públicos: trens, metrôs e ônibus. É o tipo de greve que pode tumultuar a vida das cidades, mas não tem fôlego para barrar a reforma.

Se o critério adotado para avaliar o resultado da reforma for essa correlação de forças, pode-se ter uma expectativa de que a reforma apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, será mitigada pelo relator. O regime especial de algumas categorias será mantido; o alívio possível para os trabalhadores do setor privado será nas regras de transição.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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