Nas entrelinhas: A política mundial caminha no sentido anti-horário; no Brasil, também.

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Caso Lula faça seu aggiornamento, a estratégia de seus concorrentes no campo democrático não passará da mera busca de sobrevivência na trincheira parlamentar

Desde a eleição do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a política mundial caminha no sentido anti-horário. As recentes eleições chilenas e, neste fim de semana, os pleitos portugueses mostram isso. A onda eleitoral favorável às forças mais conservadoras e reacionárias, em vários países da Europa e da América Latina, foi contida em razão de fatores que também estão se apresentando nas eleições brasileiras. Primeiro: indiscutivelmente, a pandemia de covid-19 desorganizou a economia e escancarou as desigualdades sociais num quesito básico, o direito à vida. Segundo: o novo choque de petróleo, patrocinado pela Opep, pela Rússia e pela Venezuela, grandes produtores mundiais. Terceiro: a economia do carbono está tornando a vida humana no planeta muito mais difícil e ameaça o futuro da espécie. Quarto: a compreensão no Ocidente de que não existe salvação fora da democracia, por sinal, muito bem lembrada em 27 de janeiro passado, em memória do Holocausto.

É uma corrida contra o tempo, porque o mundo está mudando em razão das novas tecnologias e sua utilização em grande escala, mas essas mudanças estão aprofundando o fosso entre o centro e a periferia do capitalismo e entre ricos e pobres, em todas as sociedades, algumas menos, a maioria mais, o que coloca em risco a própria democracia. O status quo internacional herdado do pós II Guerra Mundial está sendo posto em xeque, como agora, na crise da Ucrânia, que, mais uma vez, confirma a tese de Jürgen Habermas, um filósofo e sociólogo alemão, de descongelamento do pacto de fronteiras tecido na Conferência de Yalta, na Criméia, que na época ainda era território da Rússia. Realizado entre os dias 4 e 11 de fevereiro de 1945, o encontro reuniu o presidente americano Franklin Roosevelt, o premiê britânico Winston Churchill e o líder soviético Joseph Stálin. Desde a queda do Muro de Berlim, velhos conflitos entre nações e povos da Europa estão sendo exumados.

Estamos diante de uma nova “guerra fria”, na qual os Estados Unidos estão abrindo duas frentes de fricção: uma na Ásia, aliado a Taiwan e ao Japão, contra a China; a outra, no Leste Europeu, aliado à Inglaterra e à Ucrânia, contra a Rússia. É nesse cenário que agora se desenvolve a corrida mundial para reinventar o Estado e a disputa pela hegemonia da nova economia mundial, que substituirá o carbono pela energia limpa. Esse é, também, o pano de fundo da disputa política que está em curso no Brasil, em razão das eleições de outubro próximo. A polarização política que estamos observando nas eleições faz parte desse contexto.

Bolsonaro representa as forças mais conservadoras desse processo, com as quais está se articulando internacionalmente, embora tenha perdido seus principais aliados na cena mundial, com as derrotas de Donald Trump, nos Estados Unidos, e Benjamin Netanyahu, em Israel. No outro lado do campo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se esforça para ocupar o espaço das forças de centro, embora sua candidatura seja essencialmente de uma esquerda tradicional. O reposicionamento de Lula não ocorre por acaso. O ex-presidente está conectado a lideranças importantes da Europa e sabe que o desafio de incorporar o Brasil à nova realidade global depende de novos paradigmas e não do velho nacional-desenvolvimentismo. Será capaz de fazer isso?

Desafios ao centro

De certa forma, o destino das forças políticas que buscam a construção de uma terceira via nas eleições presidenciais depende dessa resposta. Caso Lula faça seu aggiornamento, a estratégia de seus concorrentes no campo democrático não passará da mera busca de sobrevivência na trincheira parlamentar. A massa crítica adquirida por sua candidatura nas camadas de mais baixa renda, beneficiadas durante seu governo, sustenta a polarização com o presidente Jair Bolsonaro, cuja posição segura no segundo turno está ameaçada, mas não a ponto de se tornar irreversível. Em razão da força do Estado brasileiro e das corporações e segmentos da sociedade que se identificam com sua narrativa, Bolsonaro ainda garante seu lugar no segundo turno.

Os demais candidatos de oposição enfrentam duas grandes dificuldades: a fragmentação do seu campo de forças, que funciona como um balaio de caranguejos, ou seja, quando um pré-candidato tenta fugir do cesto, o outro o puxa para baixo; e a ausência de uma narrativa eleitoral robusta, que consiga sensibilizar a grande massa do eleitorado refratária à polarização e oferecer propostas exequíveis para a retomada do desenvolvimento.

Teoricamente, Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (Podemos), João Doria (PSDB), André Janones (Avante), Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania), Rodrigo Pacheco (PSD) e Felipe d’Ávila (Novo), protagonistas da fragmentação, podem enfrentar esse problema. Para isso, precisam promover, sinceramente, uma composição dessas forças em bases eleitorais sustentáveis; formular um programa comum, que dê respostas à necessidade de fortalecer a democracia e desenvolver o país de forma sustentável e integrada à economia mundial; e defender o combate efetivo à desigualdade e à exclusão social, com metas claras e exequíveis. Parece fácil, mas não é.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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