A três semanas do dia da votação, 2 de outubro, estamos no lusco-fusco entre o início da propaganda gratuita de rádio e televisão e as duas semanas decisivas da campanha eleitoral
É impossível tratar das eleições presidenciais sem se referenciar nas pesquisas, que estão sendo divulgadas quase que um dia sim e o outro também, e mostram pequenas discrepâncias entre si, que podem ser atribuídas a margens de erro ou à diferença de metodologia, mas mantém o sentido geral da disputa, polarizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL). A três semanas do dia da votação, 2 de outubro, estamos no lusco-fusco entre o início da propaganda gratuita de rádio e televisão e as duas semanas decisivas da campanha eleitoral. O quadro pode sofrer alterações nos últimos 15 dias que antecedem o pleito, quando o debate sai do campo da chamada opinião pública, que acompanha a política, e passa a ser protagonizado pelos cidadãos comuns, no transporte coletivo, no supermercado, na fila da padaria etc.
Na pesquisa Ipespe/Abrapel (Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais) divulgada ontem, este era o retrato: Lula com 40% de intenções de votos, Bolsonaro com 34% (1 ponto a mais), Ciro Gomes (PDT) com 5% e Simone Tebet (MDB) com 3%, os demais não pontuaram, com 14% de indecisos e 4% dispostos a votar em branco ou nulo, na pesquisa espontânea. Na induzida, Lula segue estacionado com 44%, Bolsonaro com 36% (cresceu 1 ponto), Ciro 8% (perdeu 1 ponto), Simone com 5%, Felipe Dávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) com 1%. O número de indecisos cai para 2% e os dispostos a votar nulo ou branco, para 3%.
A pesquisa mostrou que o impacto das manifestações de 7 de setembro não extrapolou a bolha bolsonarista, apesar das grandes mobilizações ocorridas em Brasília, Rio de janeiro e São Paulo. E, também, que os efeitos do pacote de bondades do governo — Auxílio Brasil, vale gás, benefícios para caminhoneiros e taxistas, redução do preço dos combustíveis — não foram suficientes para reverter a grande vantagem de Lula no primeiro turno, na velocidade que Bolsonaro necessitaria. Há uma força de inércia resultante de dois anos de pandemia, que ainda não foi mitigada por essas medidas, apesar da redução da inflação, da retomada do crescimento e da queda da taxa de desemprego. Sem falar no fato de que a covid-19 enlutou 685 mil famílias, muitas das quais se desestruturaram por causa disso.
Outra variável a se considerar é a força do passado nesta eleição. A campanha de Lula foi alicerçada nas realizações de seu governo, nos dois mandatos, de 2003 a 2010. Até agora, essas realizações não foram contaminadas pelo desastre econômico do governo Dilma Rousseff, que acabou sendo afastada por um impeachment. Sua campanha está sendo bem-sucedida ao descolar a imagem de Lula da sucessora, mas existe o outro lado da moeda: os escândalos do mensalão e, sobretudo, da Petrobras. Mesmo com a anulação das condenações de Lula pelo Supremo Tribunal Federal e a desconstrução da imagem do juiz Sergio Moro e dos procuradores da Operação Lava-Jato, a questão ética vem sendo o principal fator de rejeição de Lula, que não tem como se descolar da imagem do PT. Nesse sentido, Lula parece ter batido no teto no primeiro turno e faz uma campanha de sustentação de imagem até agora.
Voto útil
Comparando as pesquisas espontânea e estimulada, Ciro, Simone, D’Ávila e Soraya estão levando a eleição para o segundo turno. O que acontece? Da mesma forma que a rejeição de Bolsonaro e de Lula se retroalimentam, mantendo a polarização entre as duas candidaturas, também são a razão de ser da resiliência dos candidatos que disputam o voto “nem nem”. Não será fácil reverter esse quadro, a não ser que ocorra algum fato novo na campanha, que possa alterar esse jogo, provocando um realinhamento eleitoral. Bolsonaro tentou fazer do 7 de Setembro um catalisador dessa mudança, mas as pesquisas mostram que isso não ocorreu. Lula continua jogando parado para manter a vantagem atual, principalmente entre os que ganham até um salário mínimo, as mulheres e o Nordeste, os três segmentos que desequilibram o jogo.
De onde poderia surgir um fato novo na eleição. No caso de Bolsonaro, da melhoria do ambiente econômico, que facilita a vida de seus apoiadores, principalmente no Nordeste e entre os evangélicos. Essa variável vem sendo neutralizada pelos erros que o presidente da República comete na campanha, como aquele inacreditável “imbrochável”. No caso de Lula, de uma forte campanha em favor do “voto útil”, principalmente para esvaziar a candidatura de Ciro, que está reagindo a isso fortemente, com ataques ao PT. Até agora essa estratégia não surtiu efeito.
A expectativa dos políticos do Centrão de que Bolsonaro passaria Lula no primeiro turno, o que seria uma mudança de cenário, é cada vez mais improvável. Em contrapartida, a cúpula petista ainda acredita que possa vencer no primeiro turno, explorando o fantasma do golpe de direita, disseminado pelos próprios bolsonaristas, embora o presidente da República tenha arrefecido os ataques ao Supremo. Nesse cenário, sem maniqueísmo, os candidatos da chamada terceira via estão bloqueando a vitória de Lula no primeiro turno, mas, ao mesmo tempo, permitem que Lula vá ao segundo mantendo a atual distância de Bolsonaro. Uma campanha forte pelo voto útil, centrada nos ataques a Ciro, pode ser um tiro no pé do PT, reduzindo essa vantagem, o que criará mais dificuldades para o petista no segundo turno.