Nas entrelinhas: A Lava-Jato na eleição

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Mantém-se um quadrante ético na disputa eleitoral. Os demais são a crise sanitária, a economia popular e a questão democrática

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi absolvido em 19 dos 21 processos movidos contra ele pela Operação Lava-Jato, desde a anulação de suas condenações nos casos do triplex de Guarujá e do sítio de Atibaia, em razão de a 13a Vara Federal de Curitiba não ser o “juízo natural” de ambos os processos, na interpretação do ministro Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin — como sempre questionou a defesa, é bom lembrar. No dia 4 de março passado, a maioria da Corte decidiu por 8 a 3 que quatro processos que lá tramitavam teriam que ser refeitos. O STF também considerou o ex-juiz federal Sergio Moro parcial no julgamento.

A condenação de Lula — confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4, em Porto Alegre) — o havia excluído da disputa eleitoral de 2018, na qual era favorito, o que abriu caminho para a eleição do presidente Jair Bolsonaro. Entretanto, a decisão do Supremo sobre o juiz natural alterou completamente o cenário, fazendo com o ex-presidente Lula voltasse a ser uma alternativa de poder. Na pesquisa Ipespe divulgada quinta-feira passada, por exemplo, Lula é o favorito à Presidência. Aparece com 30% de intenções espontâneas de votos, contra 23% do presidente Bolsonaro; Ciro Gomes (PDT) tem 2%; e os demais, 1% (Sergio Moro, João Doria, João Amoedo e Henrique Mandetta) ou não pontuam.

A pesquisa espontânea mostra um universo de 8% de eleitores pré-dispostos a votar nulo ou branco e 34% alheios à disputa, que não sabem ou não responderam à clássica pergunta: “Em quem você votaria para presidente da República?” O gráfico de evolução da pesquisa mostra que o melhor momento de Bolsonaro foi em setembro do ano passado, quando chegou a 26% de intenções de votos; na época, Lula tinha 8%. Desde então, o presidente da República oscilou na faixa entre 22% e 25%, enquanto o petista, desde fevereiro, faz uma trajetória sempre ascendente.

Na pesquisa Ipespe estimulada, Lula sobe para 43% de intenções de votos, ou seja, 13 pontos, enquanto Bolsonaro chega a 28%, istoé, cresce 5 pontos. A diferença entre ambos aumenta de 7 para 15 pontos. Pontuam neste cenário Ciro Gomes (11%), João Doria (5%), Mandetta (4%) e Rodrigo Pacheco (2%). No segundo cenário, com maior dispersão de candidaturas, Lula aparece com 42%, Bolsonaro com 25%, Ciro Gomes com 9% e Sergio Moro com 7%; os demais são Mandetta (3%), Datena (3%), Eduardo Leite (3%), Simone Tebet (1%) e Rodrigo Pacheco (1%). Destaca-se a resiliência eleitoral de Moro, que não se declarou nem se movimenta como pré-candidato.

Bandeira da ética

O ex-juiz mora nos Estados Unidos, onde trabalha como consultor em gerenciamento de risco, no escritório Alvarez & Marsal, mas seu contrato termina em outubro. Neste momento, Moro está no Brasil e faz contatos políticos, porém não anunciou sua candidatura. Somente tomará sua decisão a partir de novembro. Desde que foi julgado parcial no caso Lula, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro sofre ataques permanentes dos adversários, nos mundos político e judiciário, enquanto a Lava-Jato é desconstruída pelos tribunais, pelo Congresso e na opinião pública. Mesmo assim, uma fatia não desprezível de eleitores apoiaria Moro caso fosse candidato a presidente da República, nos revela a pesquisa. Qual a explicação para isso?

A resposta é um óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues: mantém-se um quadrante ético na disputa eleitoral, na qual a Lava-Jato continua sendo uma linha de força. Os demais são a crise sanitária, com 600 mil mortos; a economia popular (custo de vida, arrocho salarial, desemprego etc.) e a sustentabilidade; e a questão democrática e os direitos humanos. O peso de cada um desses quadrantes varia para cada candidatura, conforme a conjuntura, mas o fato é que nenhum deles garante uma ancoragem segura para a reeleição de Bolsonaro.

O presidente da República tenta reduzir os danos em todos eles, com maior ou menor dificuldade. A bandeira da democracia migrou para a oposição, a da saúde também. O governo não consegue reverter a situação da economia e corre o risco de ver a bandeira da ética, desgastada pelo caso das rachadinhas e pela CPI da Saúde, ser empunhada pela oposição. Caso Moro não se apresente, outro candidato ocupará esse quadrante. É o espaço vazio deixado por Lula.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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