Nas entrelinhas: A fumaça que encobre Manaus e as novas cadeias de valor

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A Zona Franca adotou o velho vício que esgotou o modelo de substituição de importações: criar obstáculos à concorrência

Uma onda de fumaça, proveniente das queimadas da Amazônia, em razão da mudança do regime de ventos provocada pelo El Niño, nos últimos dias encobriu a paisagem e transformou a cidade de Manaus numa capital irrespirável. O jovem deputado federal Amom Mandel (Cidadania-AM), eleito aos 22 anos com 288 mil votos, um fenômeno político de sua geração, desistiu de convocar uma manifestação de protesto porque o ar estava irrespirável e os olhos das pessoas ardiam quando saiam às ruas.

Amom optou por percorrer os gabinetes de Brasília, entre os quais o de Marina Silva (Meio Ambiente), em busca de socorro federal, e pôs a boca no trombone, ou melhor, os dedos no teclado, para denunciar a situação e a omissão das autoridades locais nas suas redes sociais. O governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima (União Brasil), principal responsável pela gestão da crise ambiental, decretou o estado de emergência.

A seca é tão grave que os igarapés da maior bacia hidrográfica do planeta estão secando, até os botos-cor-de-rosa, espécie em extinção, estão morrendo. Os rios estão tão baixos que o Porto de Manaus, construído para operar em todas as estações do ano, não pode receber os navios que sobem o Rio Negro para transportar os produtos fabricados na Zona Franca de Manaus, que abriga atualmente cerca de 600 indústrias. Sem essa zona de livre comércio, os 35 milhões de habitantes da Amazônia não teriam como se integrar à economia nacional.

Há oito regionais da Zona Franca (Boa Vista, Itacoatiara, Porto Velho, Ji-Paraná, Vilhena, Rio Branco e Cruzeiro do Sul) e quatro zonas de livre comércio (Tabatinga, Macapá-Santana e Guajará-Mirim), incluindo Manaus (área expandida dez mil quilômetros quadrados). Todas recebem os mesmos benefícios fiscais. Ao contrário do que muitos imaginam, a Zona Franca de Manaus (ZFM) possui um dos mais modernos aparatos tecnológicos do país.

Eletrodomésticos, veículos, televisores, celulares, aparelhos de som, vídeo e ar-condicionado, relógios, bicicletas, microcomputadores e aparelhos transmissores e receptores são produzidos em Manaus. De todas as regiões do país, por seu arranjo institucional, é a que está em condições mais favoráveis para ingressar nas novas cadeias regionais de valor que estão se organizando, em razão da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos. Sua mão de obra qualificada, formada na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e outras instituições, é disputada por outras regiões do país e países desenvolvidos.

O problema é que existe uma espécie de “quem comeu, comeu; quem não comeu, não come mais”. Controlada por velhas raposas políticas locais, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) adotou o principal vício do velho modelo de substituição de importações: criar obstáculos à concorrência, numa hora em que as oportunidades de investimentos dependem de capacidade de inovação e de produtividade para integração à economia mundial. Por exemplo, a recém-criada associação de armazenadores de energia (Armazene), sob a liderança do empresário paulista Márcio Toledo, luta para ampliar as possibilidades de instalação de modernas fábricas de baterias na Zona Franca de Manaus.

Cadeias globais

Os Estados Unidos estão reestruturando suas cadeias, principalmente na área de eletroeletrônicos, para reduzir a dependência em relação à China; os empresários chineses estão transferindo fábricas para países que integram essas novas cadeias de valor, com propósito de manterem seus negócios com os norte-americanos. Países como Vietnã, Coreia do Sul, Indonésia, Cingapura, Índia, México e Polônia estão se beneficiando desse processo.

Por sua localização e regime tributário, a Zona Franca de Manaus pode integrar as novas cadeias de valor em várias áreas. Uma delas é a área de eletroeletrônicos e semicondutores, matéria prima na qual o Brasil é um dos grandes produtores mundiais. A transição energética abriu um novo ciclo de modernização industrial, na qual o Brasil pode ter competitividade para abastecer seu mercado interno e exportar.

Sim, os desafios são imensos, mas há novas possibilidades. É o caso da “crise dos semicondutores”, decorrente da desestabilização das cadeias internacionais de suprimento de microchip, que vem resultando em aumento dos preços e até mesmo na escassez de componentes essenciais para a indústria brasileira, particularmente nos setores de eletroeletrônicos e automóveis.

A criação de uma indústria nacional de semicondutores é muito mais importante do que “verticalizar” a produção da mineradora Vale em Carajás. Quais são os gargalos? O quadro regulatório e as políticas de financiamento, de ciência e de tecnologia aplicáveis às cadeias de produção desses insumos.

Por sua localização e regime tributário, a Zona Franca de Manaus pode integrar as novas cadeias de valor em várias áreas. Uma delas é a área de eletroeletrônicos e semicondutores, matéria prima na qual o Brasil é um dos grandes produtores mundiais. A transição energética abriu um novo ciclo de modernização industrial, na qual o Brasil pode ter competitividade para abastecer seu mercado interno e exportar.

Sem “intermediação onerosa”, a Zona França de Manaus pode se tornar um polo de ‘incubação cruzada’ de startups, mobilizar sua diáspora científica, promover ações diplomáticas próprias, internacionalizar startups, organizar hackatons (maratonas de programação) e produzir inteligência de mercado.

Entretanto, para isso, a elite política do Amazonas precisa ter pensamento estratégico, como os portugueses que construíram o Forte de São José da Barra do Rio Negro na confluência como o Rio Solimões, em 1669.

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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