“Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo”
A linha de força da disputa pelo comando da Câmara e do Senado é a velha política de conciliação, uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro. Mesmo depois da proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação pautou a hegemonia no parlamento brasileiro. Não será diferente agora, depois do tsunami eleitoral que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder: o novo governo terá de conviver com a política tradicional. O nepotismo, o fisiologismo e o patrimonialismo estão sendo mitigados pela Operação Lava-Jato.
Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, foi o pai da criança. A maioria dos políticos ouviu falar dele nos bancos escolares, mas é um sobrenome que até ontem frequentava o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Renan Calheiros (MDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Senado e na Câmara, favoritos na disputa pela Presidência das duas casas, respectivamente, são legítimos representantes dessa tradição política enraizada no Nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro. Seus principais desafiantes, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fabinho Ramalho (MDB-MG), deslocam o eixo de poder para a Região Norte e para Minas Gerais. Os demais candidatos não têm a menor chance na disputa; os dois estão sendo estimulados pelo Palácio do Planalto, no primeiro caso, ostensivamente; no segundo, com mão de gato.
Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais: “Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade / A nação dispensa a lei / Viva a Maioridade!” Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.
Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império”e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu somente a partir de 1848, graças aos ministros da Justiça, Eusébio de Queiróz; de Estrangeiros, Visconde do Uruguai; e da Fazenda, o Visconde de Itaboraí, que mandaram e desmandaram até 1862, o que possibilitou a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, da Lei de Terras, do Código Comercial e a centralização político-administrativa da Guarda Nacional.
Luzias e saquaremas
O Marquês do Paraná, em 1853, para evitar conflitos políticos que remontassem aos anos de 1830 e 1840, resolveu acalmar as ruas e buscar uma aproximação com os liberais. Para convencer membros do Partido Liberal a aderir ao Gabinete da Conciliação, promoveu uma ampla reforma eleitoral, aprovada em 1854, com o voto distrital, que favoreceu a eleição de representantes de minorias políticas; e as incompatibilidades, que impediam a eleição de funcionários públicos nos distritos onde exercessem suas funções. Nas eleições de 1856, houve uma renovação de 67% dos políticos, o chamado Renascer Liberal. A política de conciliação é muito criticada desde aquela época. O deputado Holanda Cavalcanti, liberal pernambucano, dizia que “não há nada mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.
A chamada “modernização conservadora” se ancorou nessa prática parlamentar; quando os políticos não deram conta do recado, houve rupturas institucionais: 1889, 1930 e 1964. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar sua aliança com o que chamava de “atraso”, mandava seus ministros lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, o mais ardoso defensor da “ponte de ouro” entre liberais e conservadores, para que entendessem sua conturbada relação com o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o grande líder conservador do Senado. De certa forma, com sinal trocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu a estratégia, em aliança com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Dilma Rousseff quis mudar as regras do jogo e foi apeada do poder, como o ex-presidente Collor de Mello. Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo; tem um vice costeando o alambrado.
Lula não consegue sustentar medidas econômicas impopulares, porém necessárias, ainda que em médio e longo…
Essa foi a primeira troca da reforma ministerial que está sendo maturada no Palácio do…
Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se…
Agora, às vésperas de tomar posse, Trump choca o mundo com uma visão geopolítica expansionista…