Nas entrelinhas: A esquadra das vacinas

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O caso das vacinas está desmoralizando os militares que atuavam na Saúde naquilo que é um dos pilares da carreira militar: a probidade

Uma esquadra é a menor fração existente numa unidade militar, geralmente formada por três soldados e um cabo, que comanda a mesma. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), quando disse que bastava um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), foi até minimalista. Duas esquadras formam um grupo de combate, geralmente comandado por um sargento. Ontem, o representante comercial da Davati Medical Supply Cristiano Carvalho, em depoimento à CPI da Covid, revelou a participação de oito autoridades do Ministério da Saúde que teriam atuado para agilizar a negociação de vacinas com a Davati, sendo seis militares. Os senadores investigam a compra de vacinas da AstraZeneca e da Janssen.

Com sede nos Estados Unidos, a Davati ofereceu ao ministério lotes com milhões de vacinas da AstraZeneca e da Janssen. As negociações avançaram rapidamente, apesar de a Davati não ter apresentado comprovação da existência dos lotes. Tanto a Astra- Zeneca quanto a Janssen negaram saber do negócio. Cristiano Carvalho confirmou a acusação do policial militar de Minas Luiz Paulo Dominghetti, que também dizia representar a Davati, de que teria recebido do sargento reformado da Aeronáutica Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, um pedido de propina no valor de US$ 1 por dose para viabilizar a compra de 400 milhões de vacinas da AstraZeneca.

Pressionado por integrantes da CPI, Cristiano Carvalho disse que, em 12 de março, ele e Dominghetti participaram de reunião no Ministério da Saúde intermediada pelo reverendo Amilton Gomes, da Secretaria de Assuntos Humanitários (Senah, uma instituição privada) e pelo coronel Helcio Bruno, do Instituto Força Brasil, ambos muito ativos nas redes sociais. Teriam participado das conversas os coronéis Cleverson Boechat, à época diretor de Planejamento do Ministério da Saúde; Marcelo Pires, que ocupava a diretoria de Programas, e o então secretário-executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, aquele que dava entrevistas com um broche de ope- rações especiais (uma faca ensanguentada) na lapela.

Na segunda-feira seguinte, segundo Carvalho, o dono da Davati, Herman Cárdenas, propôs substituir as vacinas da AstraZeneca pelas da Janssen, em dose única e mais barata. Pressionado pela senadora Leila Barros (PSB-DF), Carvalho citou, também, o ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco, tenente-coronel do Exército reformado. Blanco e Helcio Bruno seriam os principais interessados na conclusão da compra. No depoimento, surgiu um novo personagem: Guilherme Filho Odilon, que seria um dos interessados no “comissionamento” da compra de 3 milhões de doses, no qual receberia 0,25 centavos de dólar por dose.

Tensões fardadas
O envolvimento de militares no escândalo das vacinas, que está sendo investigado pela CPI, tem estressado as relações com o ministro da Defesa, general Braga Netto, que está na iminência de ser convocado para depor sobre sua atuação como ministro da Casa Civil, quando coordenou as ações de governo contra a pandemia, tendo um papel decisivo na substituição do ex-ministro Henrique Mandetta na Saúde. Foi por indicação de Braga Netto que o general Eduardo Pazuello assumiu a secretaria-executiva da pasta na brevíssima gestão de Nelson Teich e, depois, virou ministro. Com o general Luiz Ramos, atual secretário-geral da Presidência, os três fazem parte do Estado-Maior do presidente Jair Bolsonaro, que dá ordem unida na Esplanada dos Ministérios.

A incompetência dos militares na gestão do Ministério da Saúde não pode mais ser varrida para debaixo do tapete, diante de tantas trapalhadas e do número de mortos por covid-19, cuja causa principal foram o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro e a disciplina de “burro operante” do general Pazuello. Isso é jogo jogado. O problema é que o caso das vacinas está desmoralizando os militares que atuavam na Saúde naquilo que é um dos pilares da carreira militar: a probidade. A repercussão disso na sociedade e nas Forças Armadas é muito grande. Ainda mais porque cresce na opinião pública a rejeição à presença de militares em cargos de natureza civil, movimento liderado pelos ex-ministros da Defesa Nelson Jobim, Celso Amorim, Jaques Wagner, Aldo Rebelo e Raul Jungmann, e ganha força no Congresso a PEC que limita a presença de militares da ativa no governo, de autoria da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC).

Luiz Carlos Azedo

Jornalista

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